Reflexões de um Caracol à Beira da Estrada
Será a experiência estética a experiência do mundo.... o devir é um devir estético... ou será que devo atravessar a estrada?
quarta-feira, junho 29, 2005
leituras ocasionais nos perfils da internet....
...cheguei-me a ti, disse baixinho "Olá!" Toquei-te no ombro e a marca ficou lá. O sol inteiro caiu entre os montes e então tu olhaste! Depois sorriste... Disseste "ainda bem que voltaste"...
posted by Mikasmokas @ 6/29/2005   1 comments
segunda-feira, junho 27, 2005
CRÓNICA DE UM PSEUDO-INTELECTUAL NO FESTIVAL SUDOESTE

Para relembrar os tempos que ainda não tinha tido o meu bloqueio de escritor de verborreia literária... já lá vão 5 anos... :(

CRÓNICA DE UM PSEUDO-INTELECTUAL NO FESTIVAL SUDOESTE

Tudo começou no dia 4 de Julho (não, não tem qualquer relação com o excesso de adrenalina libertada por esta altura no outro lado do lago, a que se designou Atlântico) quando comprei o Blitz e observei uma notícia (vulgo conjunto de palavras que descreve um dado fenómeno espaço-temporal delimitado) que dizia respeito a reportagens de Festivais realizadas por cidadãos (indivíduos pertencentes a uma dado Estado, que por sua vez são uma organização de outros indivíduos) cujo conhecimento de outros seres da mesma espécie não deve passar de 100.

Mas quem será este tipo que está para aqui a escrever caracteres, que juntos fazem palavras e estas juntas, frases, ainda por cima quando os leio fico quase sem fôlego e tonto, estarão vocês neste momento a indagar. Pois bem, o meu nome é Miko (nome fictício, tal como todas as personagens da minha crónica) e sou manager de uma das bandas que foi tocar no Palco Blitz (este último, um jornal, que é um conjunto de papeis com caracteres e imagens estáticas vendidos em vários buracos por elementos da espécie humana), à qual designei de ‘grupo-de-elementos-humanos-que-emitem-som’ (nome comprido mas como posso utilizar o copy-paste não há problema[1]).

Bem mas voltando à história... tudo começou na altura em que comprei o Blitz (afinal no principio era o Blitz e não o verbo....). Depois desse momento o meu corpo que se encontra na Terra (planeta do sistema solar e este da Via Láctea e esta do Universo) assistiu a um fenómeno de rotação desta última sobre si mesma (cerca de 30 vezes), altura em que a aventura recomeçou.

As coisas não iam mal, 4 dias antes conseguimos um buraco para descansar aquando do festival, por um conjunto de objectos achatados, a que designam dinheiro, e que segundo especialistas da matéria, diga-se, vulgo adolescentes-habituais-em-festivais-e-sem-dinheiro-porque-o-papá-não-dá-mais, foi relativamente barato, 1.500$ e muito próximo do festival.

Mas nesta fase perguntaram os caros leitores (massa de seres que observam e interpretam um conjunto de caracteres numa reacção fisico-química), o que é um festival? Como já tinha dito eu sou manager de uma banda. Nesse sentido já me foi dado a observar que um festival é um local onde um conjunto de indivíduos se juntam com material em metal e madeira (materiais sólidos), aparelhagens electro-sonoras, líquidos alucinógenos e uma série de pequenos grupos aos saltos, ou com garrafas na mão, em cima de uma estrutura metálica e em frente a uma serie de outros bastante mais numerosos (os números são uma abstracção humana para melhor compreendermos a quantidade, que por sua vez é difícil de explicar).

Bem, mas passemos, então, de seguida para o designado dia 3 de Agosto, segundo um calendário de um monge que já habitou este planeta à uma série de voltas terrestres atrás. Este dia foi o dia em que eu e mais um conjunto de semelhantes nos deslocamos ao local onde se iria passar um fenómeno designado Sudoeste. A aventura começou exactamente nesse dia. A partida estava prevista para as 20:30h, no entanto, o dono da carrinha, que era o pai (relação de parentesco assente no progenitor) do baterista da banda, resolveu fazer uma pequena viagem recreativa de Lisboa ao Alentejo. Estupefactos com o fenómeno, nós e o baterista, que vou passar a designar por Dudu (nome fictício) resolveu tentar comunicar com o seu pai através de uma máquina que emite ondas electromagnéticas:

- Está, pai....- disse o Dudu

- Sim, olá, como estás?! – respondeu o pai

- Olha, estou aqui em casa e não estou a ver a carrinha[2], estás muito longe?

- Mas querias a carrinha para hoje? Ah.... já não me lembrava.... é que estou aqui em Cuba do Alentejo com uns amigos..... prontos, vamos daqui embora....

Não queríamos acreditar, o concerto estava marcado à mais de um mês e os meios logísticos já tinham sido requisitados à igual período.

A espera foi inquietante...entre os programas sempre interessantes da SIC (estação de televisão abrangida pelo Direito Privado português) e o sono, o tempo foi passando. Por volta das 24:30h já estávamos todos juntos: eu, o Dudu, o Cerpico (nome fictício dado ao guitarrista, e cujo nome é resultado da junção do seu apelido com salpico, devido à substancia que segrega constantemente das mãos), a Ilga e o Cabelo-Espetado, estes últimos com alguma afinidade afectiva em relação ao baterista e guitarrista respectivamente.

Uma viagem de cerca de 3 horas terrestres. De registo fica o intenso cheiro que foi dado a conhecer ao nosso olfacto pelo pés do Cerpico, a conversa sobre o fenómeno das drogas nas sociedades humanas com a Ilga e o constante murmúrio do Dudu sobre a bolha que tinha na mão:

- Miko, já viste a bolha que tenho na mão? – perguntou o Dudu.

- Sim, o que tem? – respondi eu.

- Foi de treinar com baquetas de aço e agora acho que não vou conseguir tocar...dói-me muito – disse ele.

- Cá para mim só estás a arranjar uma desculpa para os futuros erros que vais fazer no concerto.... e mais, se tens bolha e não tens calo é porque não ensaias o suficiente para já os ter-

- Tens razão, sou um falhado – disse o Dudu, e continuou com o seu lamurio constante, no tom de voz típico de transístor dos anos 20.

Por volta das 3:30h da manhã chegamos ao local que os humanos designam por Zambujeira do Mar. Tínhamos que encontrar o local onde iríamos descansar. Ficava num monte, no meio do nada. Lá nos enfiamos por uma estrada , completamente às escuras, à procura de pontos de referência que nos levassem lá.

- É por ali – disse o Cerpico – esta casa tem porcos e galinhas à volta, tem que ser esta!

- Tens a certeza? Então vai lá bater à porta – disse eu.

- Vai antes tu? – disse o Cerpico.

- Porque tenho que ir eu, tu é que conheces a mulherzinha, e além disso parece que está tudo a dormir. Imagina se não é esta....

- Vai tu, és melhor que eu para essas coisas... e além disso estou com sono...ou melhor estou embriagado com o meu próprio cheiro oriundo dos meus pés...

- Não é aqui, vamos continuar na estrada – disse de forma expedita o Dudu.

Seguimos pela estrada, passamos casas, pinheiros, hortas....até que encontramos um rapaz, que pela referência convencional devia ter uns 12 anos. Estranhamos os facto. Ou vinha da escola nocturna, ou da borga, ou de uma noite com a primeira namorada, após ter saltado para o parapeito da sua janela (pelo que naquela zona não há habitações com altura superior a 5 metros). Enfim, também não perguntámos. Perguntamos isso sim, se conhecia o monte da Alzira (nome igualmente fictício). O rapaz respondeu que não. No entanto, demos-lhe boleia na mesma. A viagem do rapaz fez-se em cerca de 1.000 metros, deslocando-se de seguida em outra direcção.

Foi então que resolvemos utilizar a tal máquina que emite ondas electromagnéticas para comunicar com a Alzira.

- Estou, é a Alzira, daqui é o Cerpico, desculpe-me estar a telefonar a esta hora mas é que estamos perdidos – disse o Cerpico.

- Não há problema, já estão naquela estrada a seguir à praia? – perguntou a Alzira.

- Sim, sim, mas não encontramos a casa- respondeu o Cerpico.

- Sigam sempre em frente, passem por um poste de iluminação, por uns troncos cortados e por postes ao lado da estrada. A minha casa é a seguir ao milharal. Quando virem 7 cães, 1 gato, 1 cabra, 12 vacas e montes de insectos é a minha casa – disse ela, com uma voz um pouco ensonada.

Assim foi. Rapidamente chegamos ao local onde íamos pernoitar. E lá estavam todos os animais de espécies diferentes que a Alzira nos tinha referido.

Desde o primeiro contacto com a Alzira que observamos uma característica, no princípio interessante, depois insuportável, que consistia em emitir um conjunto de ondas sonoras de forma constante. Os assuntos variavam, desde a vida da Alzira com o marido até às condições da habitação e dos animais.

Mostrou-nos a arrecadação/barracão em que íamos dormir (dormir é um fenómeno que os humanos recorrem para recuperarem energias, indispensáveis à sua locomoção e manutenção dos processos físico-químicos dos mesmos). Uma maravilha campestre: ratos do campo (que a Alzira apressou-se em dizer que não faziam mal, eram até nossos amigos), mosquitos, telhas com queda constante de pó e outros materiais estranhos, colchões com pó, etc, etc..

Depois desta aventura fomos então dormir.

Dia 4 – O Início

Os humanos têm uma forma interessante de acordar (fenómeno que se segue ao sono). Eram por volta das 11h quando acordamos sob um calor abrasador. A casota onde estávamos acomodados mais parecia uma casa de salmão fumado. O cheiro que era libertado pelos nossos corpos constituía uma fragrância digna de ser engarrafada. Mas o tempo escasseava e tínhamos que nos deslocar rapidamente em direcção ao recinto do festival. Dudu, no entanto, apresentava um conjunto de perturbações psico-somáticas do tipo incomodativo. Queixava-se que não funcionava sem o pequeno-almoço (refeição ligeira, aconselhada por especialistas do estudo do corpo humano, no sentido da melhoria da performance humana e aumento da longevidade).

- Não vou já para o festival, vamos parar antes na Zambujeira para eu tomar o pequeno-almoço – disse o Dudu.

- Nem penses, já está quase na hora do almoço, por isso almoçamos lá no recinto, até porque o almoço é à borliú – disse eu.

- Não vou, eu não funciono mesmo e não me convences do contrário – replicou ele.

- Nós dissemos que íamos estar ás 12:30h à porta do recinto para nos encontrarmos com os outros membros da banda e é isso que vamos fazer, pois temos que respeitar os outros – disse eu, num tom de voz mais exaltado.

- Tens noção da forma como falas, estás a ser mal-criado – disse o Cerpico.

- Alguém te chamou para a conversa? – disse eu – pode-se ser mal educado de muitas formas e ele também o estar a ser....

- Não interessa.... que tal irmos então para o recinto e tentar encontrar um sítio para comer lá – sugeriu o Cerpico.

Perante esta proposta as duas partes desavindas, eu e o Dudu, aceitamos e depois de vestidos com um conjunto de trapos de algodão (vulgo roupa) tentámo-nos dirigir para o meio de transporte ou chaço, quando fomos interpelados pela Alzira.

- Rapazes venham cá – disse a Alzira – não querem tomar um copo de leite de cabra? Está fresquinho....

- Está bem, mas basta um copo pois temos que ir – respondemos nós sem escapatória, visto não querermos desapontar a nossa anfitriã.

Digamos que foi uma experiência desagradável ver um produto de um outro animal ser assimilado pelo meu corpo. Digamos que as natas e a temperatura do leite à temperatura ambiente não eram muito convidativos. Bem, mas depois de mais um obstáculo ultrapassado fomos então para o recinto do festival.

Depois da nossa chegada ao recinto tudo correu (finalmente) como previsto. O almoço, a que carinhosamente chamávamos refeições na Tenda VIP, tinha apenas o inconveniente de ser constantemente acompanhado por moscas (género de insecto díptero). O check-sound, previsto em 45 minutos, foi realizado em 25, por razão ainda desconhecida.

A espera até ao concerto foi bastante desagradável. O calor que se fazia sentir permitiu-me adquirir uma tonalidade de lagosta-recém-saída-do-tacho-com-água-a-frever. Do mal o menos, já tinha côr para as meninas.

Veio então o tão esperado concerto que falávamos à já quase 2 meses. Uma decepção. Assistimos a estranhos fenómenos sonoros dentro do palco, resultado de experiências igualmente estranhas dos técnicos de som com o nosso ‘grupo-de-elementos-humanos-que-emitem-som’. Mais tarde tal fenómeno foi objecto das mais diversas especulações, desde a Máfia Americana a querer controlar mais um brilhante cantor, até a um ataque político organizado pela social-democracia. Enfim, pelo menos já podemos ser tema de um programa da Fátima Lopes: Fui ao Sudoeste dar um concerto e correu-me mal. A minha vida não faz mais sentido, o que fazer?

No fim ainda deu tempo para fazermos a primeira fã anónima (assim designada, por não ter qualquer relação afectiva com a banda, mas antes com as ondas-sonoras emitidas pelo ‘grupo-de-elementos-humanos-que-emitem-som’). Digamos que o vocalista foi objecto de alguma atenção feminina.

Como o concerto que nos tinha feito deslocar alguns quilómetros terrestres não ficou na história, i.e., digno de registo (como diria um famoso radialista da nossa praça), resolvemos, por 2 contra 1 e 1 abstenção, voltarmos ao local onde tínhamos pernoitado para tentarmos lavar-nos e apropriarmo-nos de alguns alimentos. Assim o fizemos. Em 15 minutos estávamos de volta a esse local. O Cerpico encarregou-se de fazer o jantar: massa com atum e molho de tomate. A algum custo lá ingerimos os alimentos conjuntamente com as cervejas, coca-colas e águas que tínhamos trazido dos camarins. Por volta das 22h resolvemos então voltar ao recinto do Festival, desta vez para observarmos um outro artista, de nome Beck (cujo nome é permissivo a vários usos, como por exemplo o que foi utilizado na performance de outros artistas, como os Oasis: ‘Go Beck’). A nossa máquina de transporte resolveu a dada altura, a cerca de 4 km do recinto, fazer um estranho ritual com outras máquinas do género. Colocaram-se todas em fila e avançavam a velocidade muito reduzida. Ao início foi engraçado, depois tornou-se cansativo:

- Olha, isto é engraçado estarmos aqui parados no trânsito, pois podemos controlar os befos[3] e talvez dar boleia a alguns – disse o Cerpico.

- Befo, befo, anda cá.... já viste a nossa carrinha, tem umas bonitas rodinhas, como as tuas... – disse o Cabelo-Espetado.

- Eeee.... vê-me aquele befo que vai ali a passar – disse eu.

- É mesmo bom....- disse o Dudu.

Esta conversa prolongou-se por cerca de 2 horas. Quando chegamos ao recinto o artista designado por Beck já tinha actuado, seguindo-se os Bush.

Da nossa presença no recinto nessa noite não reza a história. Resolvemos inclusive abandoná-lo antes do fim da actuação dos Bush, de forma a evitar novos rituais entre as máquinas de transporte.

Resolvemos ir então para o local no meio do nada, i.e., onde iríamos pernoitar mais uma vez. Do meu sono lembro-me vagamente de entrarem no barracão 4 raparigas e 1 rapaz que partilharam o mesmo espaço que nós. Uma delas, a Zaida (também tem direito a participar nesta crónica) possui uma relação afectiva-amorosa continuada com o Cerpico.

Dia 5 – A partida

Voltamos a acordar no barracão onde nos encontrávamos, sob um calor insuportável. Desta vez, em número mais considerável de humanos e um maior equilíbrio de sexos.

O Borboleta e a Faísca (dois dos sete cães) não nos largavam. O gato (nunca soube o nome (representação simbólica da identidade) que os humanos lhe atribuíam) também gostava da nossa companhia ou então dos ratos do campo, que de vez em quanto nos faziam visitas ao barracão.

Quando acordámos, rapidamente nos veio um flash à cabeça, típico de quem acabou de sobreviver de forma miraculosa a um atropelamento (situação em que os humanos se encontram entre as máquinas de transporte e a crosta terrestre) por um camião.

- Miko, vamos para Espanha – foram as primeiras palavras de Dudu, ainda meio a dormir, com os olhos cheios de remelas (secreção humana purulenta) e com um hálito um pouco desagradável, resultado da decomposição do resto do jantar por bactérias que se encontram na boca.

- Yes!!! Bute – Disse eu.

- Isto aqui está insuportável e depois com as amigas do Cerpico isto ainda fica mais insuportável. Não é que eu não ‘papasse’ uma delas, mas é que são um pouco desinteressantes e as espanholas são sempre mais aliciantes – disse o Dudu.

- Mas queres mesmo ir? – perguntou estupefacto o Cerpico, cujo sentimento relacionava-se com a perda do meio de transporte (chaço), visto ter que ficar o resto dos dias naquele local.

- Cabelo-Espetado, estás mesmo a ver o filme, não estás?! – acrescentou Cerpico.

De facto Cerpico tinha um problema. Apesar de ser um zero á esquerda a Matemática, Cerpico ainda conseguiu elaborar um problema:

- 4 raparigas e 5 rapazes faz 9 – balbuciou Cerpico – se vão embora 2 ficam sete. Mas como havia 2 carros, vai-se embora 1 fica um. Pelo que ficam 7 para um carro. Prontos, tenho um problema – prosseguiu ele.

De facto não era nenhuma teoria matemática que durasse 350 anos, como a de Fermat, mas era um problema relevante.

E assim foi, eu e o Dudu prepararmo-nos para partir em direcção à Isla Canella.

Fomos falar com a Alzira, para pagarmos as duas noites, pelo que entretanto passou o seu marido e ela trocou algumas palavras com ele, demonstrando claramente quem é que detinha as ‘calças da casa’ ao longo de todos estas décadas.

- Fostes trocar de camisa, vestir uma de manga cumprida?! O que te apoquenta? – disse a Alzira.

- Eu cá sei – respondeu ele, com aquele sotaque inconfundível do Alentejo.

Depois, arrumávamos os nossos poucos haveres e fomos em direcção a Lagos para apanharmos a Via do Infante. Dudu quis parar para tomar o famoso pequeno-almoço. Desta vez não houve discussão, pois não tínhamos compromissos. Chegamos a uma terra com poucos habitantes e resolvemos entrar num estabelecimento de restauração.

Fomos atendidos pelo proprietário do estabelecimento, de nome Roger, que, sem possuir qualquer relação afectiva com as nossas pessoas, iniciou uma conversação:

- O que vai ser ?- perguntou o Roger.

- Vai ser 2 sandes de queijo, um galão e uma Coca-Cola – respondi eu.

- A esta hora já só servimos refeições, mas como a minha filha está cá para nos ajudar posso sair daqui do balcão para fazer as sandes na cozinha, se não, não vos servia – respondeu o Roger num tom algo estranho para nós.

- Ahh...pois.... – murmurarmos nós.

Depois do Roger ter vindo da cozinha e sem razão aparente iniciou uma história sobre a vida dele. Pela forma como o fez parecia que era uma cassete que coloca para todos os clientes:

- Sabem, quando pedem uma sandes de queijo ela já vem com manteiga. Eu tenho os cursos para afirmar isto. É que já tenho 35 anos de restauração. Estive 36 meses no Ultramar, 3 anos em Lisboa (quando tinha 14 anos), 2 em França e 5 nos EUA. Foi aí que percebi que o homem não tem vícios se quiser. O único vício que tenho é o trabalho, e mesmo esse estou a ver se o largo. Ainda ontem tive aí umas 15 pessoas para jantar e eu disse que não, pois a minha filha não estava cá (ela é casada à já 13 anos) e eu não aguentava. Nesta fase da minha vida já não é o dinheiro, até porque já realizei os meus sonhos. Construí uma casa para a minha sogra e outra para a minha filha, construí este restaurante, tudo com o meu trabalho. Eu não sou daqui, sou de Braga, mas já cá estou á bastante tempo......

O Roger não se calava e o tempo a passar. Já não bastava a decoração do restaurante com fotografias do FC Porto, ainda tínhamos, conjuntamente com a refeição, que ouvir uma história. Até que eu resolvi cortar a conversa e dizer:

- Então, boa tarde.

Depois de nos livrarmos de tal personagem avançámos então para a Isla Canella. Logo que chegamos fomos para a praia. Maravilhosa. O efeito de prazer sobre o corpo humano é bastante interessante. A praia estava cheia de befos alemães e ingleses. À noite fomos à famosa Isla Cristina, onde a população feminina ronda os 70% da população total, e desses 70% cerca de 80% são bastante atractivos. Pelo menos na discoteca deu para conhecer um belo especimen do sexo feminino dos nuestros hermanos. Digamos que para a semana estou de volta para encontrar a Carmen. O Dudu também não se saiu mal....

Mas como esta crónica é sobre o festival não vale a pena desenvolver mais. Esta crónica tem uma lógica interna e uma mensagem subliminar, pelo que, apenas os mais astutos poderão decifrá-la (esta parte é para ver se me contratam para escrever uns episódios dos Ficheiros Secretos).

No Domingo voltamos para a nossa cidade onde habitualmente habitamos a maior parte do nosso tempo, depois de mais umas horas na praia a apanhar conquilhas. Ainda pensámos voltar ao Festival para ver Morcheeba, já que a pulseira branca que tínhamos tirado com sabão podia facilmente voltar ao nosso pulso. Mas já saímos tarde da paradisíaca Isla Canella e estávamos cansados, pelo que fomos directos para a tal cidade.

Foram 3 dias cheios de aventuras dignas de registo (contrariando o tal radialista).....

10 de Agosto de 2000



[1] Copy-paste pertence ao código de linguagem dos utilizadores de informática. Esta é um instrumento inventado pelos humanos para melhor transformarem a natureza.

[2] Meio de transporte utilizado por nós e que é designado geralmente por chaço

[3] Género humano do sexo feminino

posted by Mikasmokas @ 6/27/2005   2 comments
sexta-feira, junho 24, 2005
História e Ficção
«imagem, o sinal, a mensagem tudo o que consumimos, é a própria tranquilidade selada pela distância ao mundo e que ilude, mais do que com promete, a alusão violenta ao real»
in Jean Baudrillard, A sociedade de consumo, Lisboa, Edições 70, 1975
posted by Mikasmokas @ 6/24/2005   0 comments
PAUL RICOEUR (1913-2005)
Passou-me ao lado a morte deste filósofo... aqui fica algumas coisas sobre ele, que apesar de não me identificar não deixa de ser uma referência para quem estuda a Ciência Social...

PAUL RICOEUR (1913-2005)
Um dos maiores filósofos europeus do século XX acaba de morrer (20 de Maio de 2005) na sua casa de Chatenay-Malabry. Por determinação própria, os funerais foram estritamente privados, longe do grande público. O que nos deixa é uma obra muito rica e densa, e uma atenção singularíssima à modernidade, que permitirá, depois da sua morte, manter actual, por muitos anos, a perenidade da sua obra – porque foi um interrogador do tempo presente, com instrumentos intelectuais cujas potencialidades estão longe de se esgotar.

“Metáfora viva” e “Paradoxo político” são referências quer no campo filosófico, em especial no pensamento hermenêutico, quer no campo do pensamento político, no auge da contradição histórica entre as aspirações sociais dos anos cinquenta e a exigência das liberdades individuais que o colectivismo recusava. Husserl e Karl Jaspers influenciaram decisivamente o seu pensamento e o seu método. A coerência entre as ideias e o compromisso, na linha de Mounier e de Landsberg, aprofundou-se a partir da experiência da prisão durante a guerra e das responsabilidades sentidas no pós-guerra.

Gabriel Marcel foi um interlocutor essencial para Ricoeur, pondo em diálogo a existência e a acção, o percurso individual da pessoa e o seu compromisso social… O tema da responsabilidade não pode ser alheio ao do conhecimento e da compreensão. Personalidades como o social-democrata André Philip influenciaram o percurso cívico. Merleau-Ponty, Emmanuel Lévinas, Gadamer, Dumézil, Eliade, Rawls, Walzer mobilizaram a sua atenção e a sua extraordinária capacidade para dialogar e aprofundar as reflexões sobre ideias.

Membro de uma Igreja reformada vai tornou-se uma figura essencial no diálogo ecuménico – respeitadíssimo pelas várias confissões religiosas pela seriedade da sua atitude intelectual. Desde 1956 viveu na comunidade fundada por Mounier, partilhando com Paulette Mounier, Jean-Marie Domenach, Henri Marrou, Paul Fraisse e tantos outros uma atitude centrada da dignidade da pessoa humana.

Encontramos em Ricoeur uma “ontologia do agir” que o leva a afirmar: «Sous la pression du négatif, des expériences en négatif, nous avons à reconquérir une notion de l’être qui soit acte plutôt que forme, affirmation vivante et puissante d’exister».

Depois de várias incompreensões no auge dos acontecimentos de 1968, Ricoeur partiu para os Estados Unidos e tornou-se uma ponte entre a cultura filosófica dos dois lados do Atlântico, com resultados positivos para ambos os lados. Era um sábio, com uma inteligência desperta para ouvir os outros e para descobrir novos caminhos. Eis porque deixou um vazio impossível de preencher.
posted by Mikasmokas @ 6/24/2005   0 comments
quarta-feira, junho 22, 2005
Reflexões de um caracol à beira de uma sanita...
No outro dia estava na casa de banho e aconteceu-me uma coisa que me fez pensar na direcção do meu blog... perguntam vocês o que tem uma coisa a ver com a outra, talvez muito.... são ambos amigos da mexxx.... ao escrever este post vou de facto mudar a direcção do meu blog... além das questões de ordem política, filosófica, da ciência social de uma forma geral vou passar a incluír as minhas reflexões sobre o quotidiano que me rodeia numa linguagem que consigo mais ou menos dominar, que é a ironia...

Mas vamos à questão.... estava eu na wc a satisfazer as minhas necessidades diárias quando na parte final olho para trás e faltava o objecto do quotidiano tipico da limpeza dos nossos orificios intitulado PEPEL HIGIÉNICO.... pergunto-me a quantos de vocês já não aconteceu isto, onde, de calças juntos aos pés tiveram que percorrer uma certa distância em direcção a um outro compartimento onde se encontre o dito objecto de higiene corporal... pior é quando nos lembramos que esse dito objecto devia constar da nossa última lista de compras aquando da ida ao supermercado... mas enfim... é de facto um acontecimento digno de registo no meu quotidiano... afinal, foi ele que me fez transformar este blog num blog de merde...
posted by Mikasmokas @ 6/22/2005   1 comments
segunda-feira, junho 20, 2005

Andre....
Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/20/2005   0 comments
André Malraux
André Malraux
«(...) É como se um general dissesse: com os meus soldados posso metralhar a cidade. Mas, se ele fosse capaz de a metralhar, não seria general...não se é general senão saindo de Saint-Cyr. Por outro lado, os homens são talvez indiferentes ao poder... O que os fascina nessa ideia, vê você, não é o poder em si, é a ilusão do bel-prazer.O poder do rei é governar, não é? Mas o homem não quer governar: tem vontade de forçar, como você disse. De ser mais do que homem, num mundo de homens. Escapar à condição humana, era o que eu dizia. Não apenas poderoso: todo poderoso. A quimérica doença, de que a vontade de poder é a justificação intelectual, é a vontade de divindade: todo o homem sonha ser deus».In A Condição Humana
Uma só linha não chega para falar do homem que afirmou um dia: « existem muitas vidas e é necessário vivê-las todas». O Romancista, ensaísta, cineasta, Ministro de Estado, arqueólogo, combatente, resistente, jornalista, anti-colonialista, militante de esquerda, político, critico de arte, coleccionador de antiguidades, Georges André Malraux nasceu em Paris em 1901, filho e neto de suicidas. Frequentou o liceu Condorcet e estudou Línguas Orientais na École des Langues Orientales, sem contudo se graduar. Com 21 anos partia para o Cambodja. De regresso a Paris, trabalha como editor, mas brevemente volta a viajar, desta vez para o Irão e o Afeganistão, em expedição arqueológica.Profundamente ligado aos acontecimentos políticos e sociais, e, anti-fascista convicto, o seu percurso é indissociável dos tempos que se viviam. Os Conquistadores (1928), A Estrada Real (1930) e A Condição Humana (1933) são simultaneamente romances e testemunhos da revolução comunista chinesa; O Tempo do Desprezo (1935) surge como um dos livros pioneiros na denúncia dos campos de concentração nazi - Malraux foi a Berlim com o escritor André Gide protestar contra o processo que se seguiu ao incêndio de Reichstag que consolidou Hiltler no poder; A Esperança (1937) fala da Guerra Civil Espanhola (acontecimento que Malraux viveu de dentro - viver para escrever, depois - alistando-se como aviador, fundando o esquadrão Eha, e lutando do lado Republicano, na Guerra Civil de Espanha). Durante a Segunda Guerra Mundial Malraux é capturado mas consegue fugir do campo de prisioneiros; em 1944 voltaria a escapar aos Nazis. Após o Desembarque na Normandia ingressa na Resistência e os seus serviços à causa da Liberdade haveriam depois de ser reconhecidos com a Cruz de Guerra e o The British Distinguished Service Order.Integra o Governo provisório de De Gaulle (1945-46) e em 1958 - quando o General regressa ao poder - assume primeiro o cargo de ministro da informação e depois de Ministro da Cultura, posto que ocupa durante 10 anos.Escreve os livros de Arte e Estética: As Vozes do Silêncio (1951); e O Museu Imaginário da Escultura Mundial (1952-54). O ano de 1961 seria o ano negro da sua vida, perde os dois filhos num acidente. A 23 de Novembro de 1976, André Malraux morria em Paris, acreditando que: «A arte é a única esperança diante do nada, a única expressão possível da dignidade e da liberdade». A Condição Humana. Decorre o ano de 1927 na China. A revolução comunista começa a ganhar contornos e um grupo de Homens já está na luta: o terrorista Tchen que descobre, desde a primeira vez que tem de matar, que a morte havia de ser a partir desse momento o seu destino; Kyo, para quem as ideias devem ser vividas e não pensadas, e que procura na defesa da dignidade dos outros o seu próprio caminho; May, a companheira de Kyo, alemã nascida em Xangai, médica num hospital estatal e dirigente de um hospital clandestino; o pai de Kyo, velho e sábio Gisors, que só encontra a paz nas neblinas do ópio; o decadente antiquário Clappique. Personagens que partilham um mesmo ideal e uma mesma condição que paradoxalmente os condena à solidão perante o destino, frente à morte.
posted by Mikasmokas @ 6/20/2005   0 comments

a minha menina.... ;)*
Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/20/2005   2 comments
domingo, junho 19, 2005

Sa Carneiro
Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/19/2005   0 comments
Curiosidade Histórico-Ideológica
Encontrei este discurso do Sá Carneiro num dos Congressos do PSD e achei-o como uma curiosidade Histórica de forma a vermos os grandes desvios entre a Social-Democracia portuguesa dos fundadores do PSD e no partido liberal que o mesmo se tornou, exactamente naquilo que os fundadores não queriam que fosse.....

«Embora natural, a alteração da denominação do Partido para Partido Social Democrata constituiu um dos factos marcantes da nossa vida. Circunstâncias externas e efémeras não permitiram que de início adoptássemos a designação actual. A alteração que o Congresso confirmou corresponde à realidade e à sinceridade do nosso Programa e à nossa prática política; por isso, foi saudada e acolhida com entusiasmo pelos militantes. Sociais-Democratas sempre o fomos e continuaremos a ser, pelo que a alteração não significa qualquer mudança, antes fidelidade à linha inicial. Ela é também a consagração de mais de dois anos de trabalho e de lutas pela social-democracia, embora até então sob a sigla PPD, que, associada à actual sigla, poderá continuar a ser usada pelo Partido.
A social-democracia é uma resposta pragmática, de obediência a determinados princípios e ideias, mais do que uma ideologia, para conciliar a liberdade em todos os domínios com a necessidade do prosseguimento de uma grande justiça social. É portanto um caminho de harmonização de forças sociais, de não imposição do Estado, de não domínio do Estado nos sectores produtivos, mas sim de controlo do poder económico pelo poder político. É evidente que seguem políticas sociais-democráticas partidos e Governos que mesmo de social-democrata não têm o nome.
A evolução da socialdemocracia a partir dos fins dos anos 50 foi nitidamente esta: a conciliação dos valores liberais fundamentais com um regime económico que rejeita o capitalismo liberal. Para que as liberdades sejam desenvolvidas e se dê satisfação à justiça social a social-democracia rejeitou, e bem, o capitalismo liberal e enveredou por outras formas económicas em que é mais importante uma política de preços de rendimentos, de salários, de justa distribuição de rendimentos, de participação dos trabalhadores nas empresas e nas próprias decisões conjunturais do que propriamente da propriedade dos meios de produção.
Poderá levar gerações... Mas, chegará o dia em que a posição do indivíduo nasociedade será determinada pela sua capacidade de trabalho e mérito pessoal epelas suas necessidades sociais básicas e do agregado em que estiver inserido.Até lá, porém, deixemo-nos de aventureirismos cegos, de radicalismos excessivos, de demagogias e de utopias, inimigos principais dos que pugnam pela democracia, pela paz, pela liberdade e pela independência nacional.
Numa social-democracia, o que é característico é o apoio dos trabalhadores industrializados: e esse apoio é tanto mais significativo quanto mais o País estiver industrializado. As sociais-democracias do Norte da Europa, por exemplo, nasceram com o apoio dos operários da indústria, mas também de agricultores, de pescadores e de pequenos comerciantes, tal como no nosso país. A nossa base social de apoio é tipicamente social-democrata. O nosso programa é um programa social demcrático avançado, em relação, por exemplo, ao programa do S.P.D. alemão - e, portanto, isto afasta qualquer deturpação que se queira fazer no sentido de nos apresentar como partido liberal ou democrata-cristão, o que são puras especulaçõestendenciosas que não têm qualquer base.
É que a social-democracia, que defendemos, tem tradições antigas em Portugal.Desde Oliveira Martins a António Sérgio. É a via das reformas pacíficas, eficazes, a caminho duma sociedade livre igualitária e justa. Social-democracia que assegura sempre o respeito pleno das liberdades.
Concebemos a social democracia como socialismo personalista, que concilia o primado do social com o integral respeito pela criatividade pessoal, construindo uma sociedade justa e igualitária, com preservação das esferas de acção moral e material da pessoa, do seu espaço de liberdade.Entendêmo-la como processo inovador e realista, dinâmico e mobilizador,movimento constante para realização concreta do bem das pessoas e, por isso,prossecução do bem comum dos portugueses, sem subordinação a ideologias,mas plenamente fieis aos princípios programáticos.»
posted by Mikasmokas @ 6/19/2005   1 comments
sábado, junho 18, 2005

este � o artwork provis�rio do mupi de um dos meus espect�culos... d�m a vosso opini�o...
 Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/18/2005   1 comments
quinta-feira, junho 16, 2005
Couch Surfing
Este é um conceito interessante para quem quer conhecer pessoas de outros países e mesmo viajar para outros países sem gastar dinheiro na estadia....
Aqui fica a definição que vem no site:

O que é o Couch Surfing?
CouchSurfing.com helps you make connections worldwide. You can use the network to meet people and then go and surf other members' couches! When you surf a couch, you are a guest at someone's house. They will provide you with some sort of accommodation, a penthouse apartment or maybe a back yard to pitch your tent in. Stays can be as short as a cup of coffee, a night or two, or even a few months or more. When you offer your couch, you have complete control of who visits. The possibilities are endless and completely up to you.
posted by Mikasmokas @ 6/16/2005   0 comments

A manifest�o p�blica.... Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/16/2005   0 comments

Consegui captar um dos momentos Hist�ricos do nosso pa�s... �lvaro Cunhal a 15.6.04 Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/16/2005   0 comments
quarta-feira, junho 15, 2005
Sobre o dia de hoje... em memória do camarada Álvaro Cunhal
O indivíduo e a morte

“Ao meu partido me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo”.
Pablo Neruda
Não há nenhuma experiência humana que possa ser comparada à morte. Em primeiro lugar, ela é tão única que sequer permite a possibilidade de tematização por parte de quem a vivencia. Em segundo lugar, não há ser humano que não passe por ela e que, no decorrer de sua vida, não tenha, no mínimo, se preocupado com ela. Mas, por que deveríamos nos preocupar com algo que, quando vier a acontecer conosco, já não estaremos mais existindo? É exatamente esta a preocupação: a idéia da “não-existência” e a impotência diante desta obviedade da existência humana: a finitude da vida individual.
Numa sociedade centrada no indivíduo, somos tencionados a tratar os outros com indiferença, a sobrevalorizar nossa existência individualista, a nos afirmar como sujeitos autônomos e auto-suficientes, alimentados pela ânsia de competir com os outros, “conquistar” espaços e acumular riquezas para nós mesmos e/ou, no máximo, para nossa família. Assim, o ciclo: nascer, acumular, reproduzir e morrer parece definir toda a trajetória normal do ser humano na sociedade capitalista. A idéia da morte chega como estágio final de uma vida “predestinada” ao cumprimento da normalidade das coisas. No entanto, no confronto com a morte, a normalidade prevista passa a ser questionada. Afinal, nesse momento, o “endeusado” indivíduo deixa de existir e a vivência em torno de si mesmo perde seu sentido. Como resolver esse dilema?
Uma alternativa é a crença na vida após a morte, com a salvação da alma privada, longe do castigo de um inferno coletivo, comum à maioria das demais. Será que há alguém que, por mais ateu que se declare, não tenha, pelo menos uma vez, acreditado nisso, mesmo que no final da sua vida? O fenômeno continua único e, portanto, a liberdade da crença nas mais diferentes variantes de vida após a morte é um direito de cada um e, como dizia Ludwig Feuerbach, essa é uma das grandes virtudes das crenças que, nestes momentos, servem para aliviar o sofrimento humano diante do inevitável.
Mas, há uma outra alternativa que pode substituir a anterior ou, então, pode ser combinada com aquela. A idéia de uma “imortalização” a partir de grandes feitos, escritos, pinturas, ações que extrapolem a normalidade das coisas e permitam um lugar novamente individual, destacado dos outros. Essa expectativa de ficar na história, através de um livro ou da participação num evento digno de reconhecimento, parece mais segura na tentativa de edificação do “indivíduo imortal”. Mas, assim como a salvação privada da alma, este não é um caminho que permite o acesso a todos, pois a idéia de um coletivo ilimitado rompe com o pressuposto da individualização permanente. A saída não pode, portanto, ser generalizada. Há também problemas na forma como se dá o reconhecimento de uns e outros. A mídia, por exemplo, que na sociedade capitalista é economicamente corruptível, pode contribuir para que uns sejam mais reconhecidos que outros. Assim, vilões podem ser transformados em heróis e grandes feitos podem ser descaracterizados, sem registro notável para a história.
O dilema permanece sem solução, pois as saídas previstas diminuem a certeza acerca daquilo que se procura e ninguém poderá constatar sua eficácia, já que essas evidências só podem ser conferidas após a morte. Mas, por que, afinal, essa busca desenfreada da afirmação individual?
Parece que a idéia de finitude é que nos impõe essa exigência. É pela consciência da finitude que valorizamos tanto a nossa existência individual. Se não fôssemos finitos e se não soubéssemos da nossa própria finitude, encararíamos a vida de outra forma e não atribuiríamos sentido à temporalidade. Assim como na alegoria da pomba de Immanuel Kant, onda a existência do ar é que permite à pomba voar - mesmo que, num primeiro momento, o vento nos pareça empecilho ao vôo - é a condição finita da temporalidade que fundamenta o sentido da existência humana. Mas, a temporalidade finita não é um problema individual, é um problema de toda a espécie humana. Diante da morte temos a oportunidade de nos concebermos como coletivamente confrontados com uma mesma situação.
A noção de indivíduo, por sua vez, é construída a partir da relação com os outros. Só conhecemos a nós mesmos através da forma como os outros nos concebem. A partir do confronto com o outro identificamos a nós mesmos e tomamos consciência de nossa relação estreitamente imbricada. Se, por um lado, somos condenados a ser livres, como dizia Jean-Paul Sartre, por outro, não temos como não interferir na liberdade do outro. Os limites entre o “eu” e o outro estão entrelaçados, pois ambos são sujeitos que se definem mutuamente. Assim, a morte de um outro significa também a perda de parte do “eu” que se constituiu na relação com aquele. A nossa vivência fica marcada naqueles com quem nos relacionamos e em tudo aquilo que, com os outros, construímos como acúmulo para a humanidade.
Entretanto, conceber-se como humanidade é um processo doloroso. É necessário recusar as alternativas sedutoras e confortantes que a ordem social constituída nos oferece e ao sentido que a sociedade atual atribui à morte. A consciência de humanidade pressupõe o reconhecimento da fraqueza do indivíduo e seu caráter transitório e, ao mesmo tempo, a aceitação da possibilidade de continuação de nós mesmos no outro, como parte integrante da construção coletiva da história. É só nesta perspectiva que podemos nos dispor a contribuir na construção de algo que, possivelmente, não iremos vivenciar. Por outro lado, jamais saberemos o limite preciso entre aquilo que conseguiremos vivenciar e aquilo que permanecerá como utopia, após nossa existência individual. O nosso esforço no sentido da construção de um novo indivíduo, mais humano e mais solidário e, conseqüentemente, de novos valores e novas relações sociais, permite a compreensão da temporalidade além dos limites de nós mesmos. Como humanidade não morremos, pois ela é um processo que não termina e nossa participação consciente nele é a parcela de vida temporalmente definida que nos permite vivenciá-la.
Portanto, se a vida é única e a morte é o indicativo de sua finitude, a consciência de temporalidade do indivíduo o torna mais responsável pela suas opções cotidianas e consciente de que a intensidade de sua vida depende daquilo que a humanidade, em seu conjunto, vai definindo. Vivemos aquilo que ajudamos a construir, partindo da tradição daquilo que os outros nos deixaram. Ao morrermos como indivíduo, nos incorporamos ao espírito da humanidade de nossa época.

ANTONIO INÁCIO ANDRIOLI
http://www.espacoacademico.com.br/030/30eandrioli.htm
posted by Mikasmokas @ 6/15/2005   0 comments
terça-feira, junho 14, 2005

Um dos meus concertos... Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/14/2005   0 comments

As Aventuras Sexuais de um Jovem Lisboeta nos Tempos Modernos Posted by Hello
posted by Mikasmokas @ 6/14/2005   0 comments
terça-feira, junho 07, 2005
Feira do Livro
Ontem fui à Feira do Livro de Lisboa e com o calor que estava só consegui ver metade dos stands. Mesmo assim tive que comprar 2 livritos, que até nem foram assim baratos. Um foi 'As Novas Sociologias' e o mais interessante para mim é o 'Amor em Roma'. É um livro de 1988 mas só editado em Portugal agora, em 2005, mas no entanto para descrever práticas quotidianas com mais de 2500 anos acho que serve... hihi
Interessa-me fazer as comparações entre os comportamentos quotidianos amorosos e sexuais entre aquela época e a nossa. Há grandes diferenças em termos de enquadramento. O paganismo naquela altura era dominante mas, no entanto, a visão do Estado sobre a formalização de relações socio-amorosas inscritas no Direito Romano não será assim tão desfazada, pois a visão judaico-cristã de 1500/2000 anos sobre isso acabou por absorver muito dessas práticas... à medida que for lendo vou colocando aqui algumas curiosidades...
posted by Mikasmokas @ 6/07/2005   2 comments
sexta-feira, junho 03, 2005
As Aventuras Sexuais de um Jovem Lisboeta nos Tempos Modernos
Este é o título de um livro que gostaria de escrever. Recuperar o espirito belzaquiano da escrita do quotidiano sexual de um jovem de forma reflectir os nossos comportamentos, não de uma forma quantitativa, mas de forma qualitativa.
Não me interessa retratar a norma mas sim a transgressão... mesmo que afinal ela venha a caracteriza-se como a norma... além das minhas experiências gostaria de reflectir as de outras pessoas como eu, que tenham gosto da descrição de momentos da sua vida que acabam sempre por ter um lugar especial na nossa memória... aqui pode ficar tudo em anonimato... e deve....
;)
posted by Mikasmokas @ 6/03/2005   1 comments
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