Reflexões de um Caracol à Beira da Estrada
Será a experiência estética a experiência do mundo.... o devir é um devir estético... ou será que devo atravessar a estrada?
terça-feira, junho 07, 2005
Feira do Livro
Ontem fui à Feira do Livro de Lisboa e com o calor que estava só consegui ver metade dos stands. Mesmo assim tive que comprar 2 livritos, que até nem foram assim baratos. Um foi 'As Novas Sociologias' e o mais interessante para mim é o 'Amor em Roma'. É um livro de 1988 mas só editado em Portugal agora, em 2005, mas no entanto para descrever práticas quotidianas com mais de 2500 anos acho que serve... hihi
Interessa-me fazer as comparações entre os comportamentos quotidianos amorosos e sexuais entre aquela época e a nossa. Há grandes diferenças em termos de enquadramento. O paganismo naquela altura era dominante mas, no entanto, a visão do Estado sobre a formalização de relações socio-amorosas inscritas no Direito Romano não será assim tão desfazada, pois a visão judaico-cristã de 1500/2000 anos sobre isso acabou por absorver muito dessas práticas... à medida que for lendo vou colocando aqui algumas curiosidades...
posted by Mikasmokas @ 6/07/2005  
2 Comments:
  • At 07 junho, 2005 09:38, Blogger abox said…

    eu tb estive lá ontem... LOL

     
  • At 07 junho, 2005 09:48, Blogger Mikasmokas said…

    Aqui fica um artigo interessante sobre o livro que já comecei a ler:
    ENSAIOS HOMOERÓTICOS I
    O Homoerotismo na antigüidade clássica

    (...) “Sejamos mais precisos: melhor que de homossexualidade, deveríamos falar de relações entre pessoas do mesmo sexo. Deveríamos, então, empregar o termo homofilia. De fato, sem exacerbar o sentido do paradoxo, poderíamos até mesmo afirmar que a homossexualidade não existe na Grécia”.
    Jean-Philippe Catonné

    A sexualidade, ontem e hoje

    No conjunto de ensaios que se seguirão a este, pretendo analisar historicamente com vocês como as várias (homo) sexualidades se configuraram ao longo do tempo através do uso da linguagem. Nesta jornada, iremos verificar como nossas crenças acerca das múltiplas sexualidades participaram na construção de um ideário lingüístico com força performativa, para falar da verdade do sujeito homoerótico contemporâneo.
    Partindo desta concepção, penso que de todos os seres vivos, o ser humano é o único que possui, entre tantas, duas características básicas que o distingue dos outros seres: a capacidade de raciocínio e a habilidade da fala, através da linguagem.
    A linguagem nos propicia a comunicação seja através da palavra escrita, falada ou através de códigos, gestos ou sinais. Somos capazes, então, de nomear o que ainda não tem nome, de modificar e redescrever o que já foi nomeado, ou de dizer aquilo que não queremos dizer, já que “não somos senhores nem mesmo na nossa própria casa”.
    Para aquilo que ainda não possui nome, logo, logo, conseguimos inventar palavras novas para determinados objetos, atos ou situações do cotidiano, de acordo com a nossa crença e moral vigentes, e compreendê-los a partir de então como uma verdade única e universal. E quando não temos a compreensão científica de determinado fenômeno, nossa tendência é procurar de imediato uma explicação lógica e daí, ou o aceitamos ou o reprimimos, afastando-nos o mais que possível, senão, exterminando-o.
    Na época da inquisição, que se estendeu do século XIV até o século XVII, para aquilo que cientificamente ainda não se tinha compreensão causal do fato de algumas mulheres apresentarem comportamentos estranhos à maioria da população, a acusação era de bruxaria ou possessão diabólica contra essas mulheres, condenando-as a morrerem queimadas na fogueira.
    No início do século XX, os mesmos fenômenos antes concebidos como bruxaria ou manifestações do diabo, poderiam ser explicados, por exemplo, como “ataques histéricos”, após o advento da psicanálise. O mesmo fato e duas explicações.
    De acordo com o psicanalista Jurandir Freire Costa, em seu artigo “Homoerotismo: a palavra e a coisa”, “toda época produz crenças sobre a “natureza” do bem e do mal, do sujeito e do mundo, que aos olhos dos contemporâneos, sempre aparecem como óbvias e indubitáveis. Os séculos XIV, XV, XVI e XVII criaram as feiticeiras. E, porque a crença na bruxaria existia, existiam bruxas. As bruxas eram um efeito da crença na bruxaria. Sem a crença em bruxas, não haveriam mulheres que sentissem, agissem, se reconhecessem e fossem reconhecidas como bruxas”. Para compreender o que o autor fala, vejam o filme As Bruxas de Salém.

    No que compete à sexualidade, a compreensão do fato se dá de modo semelhante.

    Desde o século XIX acreditamos na divisão dos sujeitos em “homossexuais, bissexuais e heterossexuais”. Passamos a acreditar que há algo de universal em pessoas com determinadas características desejantes, e passamos a reclassificar a antigüidade a partir da compreensão do vocabulário sexual criado no século XIX.
    Ora, na antigüidade greco-romana não havia a compreensão do sexo a partir do que aprendemos nos últimos 200 anos. Portanto, enganamo-nos ao projetar hábitos mentais do presente na relação pederástica que havia na Grécia, semelhante à moderna relação homossexual dos nossos dias.
    “Na Grécia antiga não existiam palavras para designar o que chamamos de “homossexualidade” e “heterossexualidade” porque simplesmente não existia a idéia de “sexualidade”. A sexualidade é uma construção cultural recente (...). No mundo helênico havia um eros múltiplo e heterogêneo, sem contrapartida no imaginário de hoje. Assim, o eros da “pederastia” era, em sua “natureza”, diverso do eros presente entre homens e mulheres ou mulheres e mulheres (e eu acrescentaria entre homens e homens). Por princípio era virtuoso, ao contrário da “homossexualidade” contemporânea, tida como vício, doença, “degeneração” ou perversão, desde que foi inventada pelas ideologias jurídico-médico-psiquiátricas do seculo XIX”, conforme nos informa Jurandir Freire em seu artigo “Os gregos antigos e o prazer homoerótico”.
    O que estava em jogo era a educação do cidadão e toda conduta que evocasse excesso ou passividade entre o erastes e o erômeno, era considerada indigna, sem valor, podendo inclusive, no caso deste último, perder o “status” social que possuía.
    O eraste, “pedagogo”, “amante” ou “homem adulto”, como queiram, jamais poderia ser “passivo” na relação amorosa, e isso significava não poder ser penetrado, pressionado física ou moralmente a ceder os avanços sexuais do erômeno ou erômenes, ou de nenhum outro cidadão, nem muito menos de um escravo, ou ser subordinado com presentes, promessas ou com dinheiro. A virilidade era reforçada, os atos dos amantes deviam ser comedidos, evitando exageros apaixonados. O prazer devia estar a serviço do cidadão da polis grega, já que a vida pública era destinada à política, ou seja, entre dois homens adultos, era impensável que se mantivesse contatos físicos, coito anal e manifestações apaixonadas, pois a pederastia era a forma mais nobre de amor entre os gregos.

    Jean-Philippe Catonné, em seu livro “Sexualidade: ontem e hoje”, ainda complementaria nosso pensamento, ao afirmar que “para um cidadão, a passividade sexual é que representa problema. Desde então, o amor entre rapazes confronta-se a uma situação contraditória, que Foucault qualificou de “antinomia do rapaz”. O amado, o eromenes, o rapaz, ocupa uma posição passiva, e o homem adulto, o amante, o erastes, uma posição ativa. Ora, a função social da pederastia é a de ensinar ao rapaz a tornar-se um cidadão, consequentemente, um homem sexualmente ativo, por meio de uma situação paradoxal de passividade na relação amorosa. A contradição se resolve na distribuição dos prazeres. O rapaz é levado a dar e a não obter, ou, ao menos, não muito ostensivamente. Além disso, ela se desfaz num processo de passagem determinando a idade. A relação cessa quando o jovem rapaz deixa de sê-lo: o sinal da metamorfose é indicado pelo surgimento de pêlos, no queixo e nas pernas. Via de regra, se é rapaz entre os doze anos, a idade da flor, e os dezessete, a idade dos pêlos”.
    A pederastia, era então, um rito de iniciação daquela sociedade, que demarcava a passagem da infância para adolescência, e desta, para o mundo adulto.

    Veja-se, por exemplo, a produção artística grega, através dos achados antropológicos, e notem que toda forma de contato entre dois homens dava-se entre um mais velho e outro mais jovem, antes mesmo que os pêlos do rosto ou do corpo pudessem ser notados, e isto não fazia do erastes ou do erômeno mais ou menos homem ou cidadão, conforme a ideologia machista que predomina em nossa cultura, em nossa época.
    O que grande parte da literatura nos mostra é que o amor na forma de eros era buscado da forma mais sublime, na virilização dos corpos, na contemplação do belo, nas múltiplas formas de se alcançar eros, e esta busca estava dedicada diretamente à população masculina, já que a mulher, assim como os escravos, crianças ou serviçais, gozavam de menos prestígio e estava a serviço da reprodução da casta grega. No que compete à civilização romana, poucas mudanças poderíamos notar na dinâmica dos papeis masculinos e femininos.
    Deste modo, assim como não existia uma homossexualidade inerente aos gregos, da forma como a compreendemos hoje, bem entendido, onde há definições e escolhas dos papéis dicotômicos ativo/passivo, desejo sexual, amor e respeito mútuo entre os(as) parceiros(as), valorização dos atos e jogos afetivos, fantasias ou qualquer outra manifestação amorosa que também sirva para descrever a pluralidade da vida afetiva e sexual entre um homem e uma mulher, a sociedade greco-romana era uma sociedade predominantemente “masculinista”, ou seja, onde só os homens gozavam dos direitos enquanto cidadão (apesar de haver relatos acerca da comunidade formada por mulheres na ilha de Lesbos – no qual resultou a derivação do termo lesbianismo/lésbica, para referir-se à homossexualidade feminina – e que tinha na poetisa Safo sua principal representante).
    Vimos, assim, que o uso dos prazeres na antigüidade devia estar a serviço da honra do cidadão, pois era impensável na Grécia antiga uma liberdade sexual privada na forma como as múltiplas homossexualidades são vividas na contemporaneidade.
    A “homossexualidade” grega, retomando as palavras de Jurandir Freire, era uma sociedade onde “a pederastia era não só recomendada como louvável e praticada por toda a elite moral, intelectual, política, artística, guerreira e religiosa de uma sociedade culturalmente sofisticada como a grega”.
    Portanto, cair no erro crasso de nomear a pederastia grega do que hoje compreendemos como sendo a mesma homossexualidade vista por juristas, médicos, psiquiatras e higienistas do século XIX, é cair no mesmo erro crasso de se pensar que na antigüidade existia uma patologia ou um distúrbio sexual inerente dos desejos afetivos e sexuais do erastes e do erômeno, concebendo-os como seres desviantes, doentes, “perversos”, “degenerados”, de personalidade “anormal” e passíveis de cura.
    Precisamos ter cuidado com as armadilhas que a cultura do sexo rei nos preparou e possibilitar ver o mais longe quanto possível as armadilhas “lingüísticas” que “a vontade do saber” nos deu como legado.
    Mas isso é uma história para o nosso próximo ensaio.
    Sergio Gomes é Psicólogo, com Especialização em Sexualidade Humana pelo Centro de Educação da
    UFPB, e Especializando em Direitos Humanos pelo Departamento de Filosofia do Centro de Ciências
    Humanas, Letras e Artes da UFPB.
    Psicólogo CRP 13/2768
    Email: sergiogsilva1@bol.com.br

    http://www.revistapsicologia.com.br/materias/abordagens/ensaio_Homoerotico.htm

     
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