« (…) é menos a fuga perante o sentimento que caracteriza o nosso tempo do que a fuga perante os signos da sentimentalidade. Não é verdade que os indivíduos procurem um desprendimento emocional e se protejam contra a irrupção do sentimento; a esse inferno povoado de mónadas insensíveis e independentes devemos opor os clubes de encontros, os pequenos anúncios, a "rede", todos esses milhões e milhões de esperanças de encontros, de ligações, de amor, que precisamente se realizam com cada vez mais dificuldade (…). Homens e mulheres continuam a aspirar tanto como antes (ou talvez nunca tenha havido até tanta "procura" afectiva como nesta época de deserção generalizada) à intensidade emocional de relações privilegiadas, mas quanto mais forte mais raro parece tornar-se o milagre fusional, ou, em todo o caso, mais breve. » Lipovetsky (1989: 73) Do argumento deste autor surgiu a nossa hipótese de que a procura de uma relação pessoal e íntima, e até de uma relação que toque o idealizado (relações privilegiadas), esteja relacionada com o que ele chama época de deserção generalizada, ou seja, a busca do outro como um oásis numa era dos "poucos mas bons amigos". O outro refúgio é alguém com quem se pode contar e partilhar numa sociedade por vezes pautada pelo stress e pela competição. Como hipótese, pretendeu-se demonstrar que, se existe essa sede de contacto, então o problema está no ritmo avassalador das transformações, a que Giddens faz referência, e que ainda não permitiram ao indivíduo libertar-se de uma certa nostalgia (e por vezes o passado é mais idílico no presente)e ganhar consciência do leque de novas possibilidades que o rodeiam. Em conclusão, a maior parte das comunidades tradicionais baseadas no forte controlo ecológico, nas relações de proximidade física, de parentesco e em valores que fomentam a dependência do indivíduo ao invés da sua autonomia, estão a desaparecer. Nas sociedades industrializadas e urbanizadas tem-se vindo a assistir a uma progressiva emancipação e libertação da rede de parentes e vizinhos que controlavam e, tantas vezes, reprimiam o indivíduo. Para os defensores dos "bons velhos tempos" é, muitas vezes, necessário lembrar que o carácter romanceado da vida de outrora não passa disso mesmo, e que todas as épocas e, já agora, todos os locais têm tonalidades negativas e positivas. É claro que não pretendemos, nem o poderíamos fazer, negar as manchas de individualismo egocêntrico e o esvaziamento da subjectividade. Todavia, a busca do outro já começou. Embora em moldes mais liberais essencialmente fundamentados no respeito pelo espaço próprio e alheio. Na sequência do que dissemos anteriormente, é imperativo discutir as diferentes noções de individualismo. Um dos nossos objectivos é distinguir alguns dos seus significados e, ao fazê-lo, explicar de forma diferente os fenómenos sociais, não negando o que Michel Wieviorka (1988) chama sobre-exposições causadas pela competitividade da vida económica moderna que gera ansiedade, o culto da performance para Alain Ehrenberg (1995), ou quando a patologia emerge da rejeição e da exclusão de promessas da sociedade não realizadas, como é o exemplo de produtos ou serviços da sociedade de consumo. Desencontros e ambiguidades: a busca do outro na era do eu Por vezes parece que a modernidade é uma loja de conveniência. Porque parece ser esse mesmo o conceito. Cada vez mais, a tendência é a da satisfação das necessidades imediatas do indivíduo. A qualquer hora. A qualquer preço. O reino das possibilidades está aberto toda a noite. Que pode o aprendiz de sociólogo concluir desta época de privatização do público e publicitação do privado? Tudo acontece sob a égide da dúvida e da escolha - a reflexividade da modernidade -, e dos grandes movimentos do capitalismo e da globalização, mas a emancipação da mulher tem um papel fundamental nas múltiplas transformações ocorridas, não só ao nível do relacionamento entre os géneros como ao nível do novo modelo de vida privada a solo. As práticas subjectivas dos actores conjugam-se com as dimensões globais da modernidade. Sujeito e estrutura combinam-se na explicação destes fenómenos. Neste estudo, relativamente aos factores da sociedade moderna que propiciam a solidão, os indivíduos demonstraram grande preocupação relativamente à dissolução da família/divórcio, ao egoísmo, aos estilos de vida nos grandes centros urbanos, à falta de tempo para estar com os filhos, à falta de diálogo e à competitividade na vida económica moderna, a qual aparentemente é um grande factor de ansiedade para os indivíduos. De facto, esta última, juntamente com o consumismo, referido sobretudo nas entrevistas, as sobre-exposições, de que fala Wieviorka (1988), são conotadas pelos indivíduos que participaram no estudo de forma bastante negativa. Todavia, as pessoas têm consciência que as circunstâncias na modernidade tardia mudaram. Reconhece-se o isolamento mas também o que mudou para melhor e as novas oportunidades que vão surgindo. Há um acordo relativamente à maior possibilidade de escolha nos relacionamentos nos dias de hoje. Paradoxalmente, essa abertura do leque das possibilidades não tem feito diminuir a solidão dos indivíduos. É precisamente aqui que parece residir o núcleo da discussão. Como conceber que naquela que é por excelência a era das comunicações continue a existir solidão?
in TEIXEIRA, Elsa Guedes. Solidão, a busca do outro na era do eu: estudo sobre sociabilidades na modernidade tardia. Sociologia. [online]. abr. 2001, no.35 [citado 12 Setembro 2006], p.31-47. Disponível na World Wide Web: . ISSN 0873-6529. |
Vivemos uma época singular, dominada pelas tecnologias que permitem, entre outras coisas, a comunicação com várias pessoas simultaneamente, sem abandonar a secretária onde se encontra o computador. A Internet, a rede que liga tudo e todos, é um fenómeno admirável de comunicação que nos dá a ilusão da transparência. Dominada pelas tecnologias, pela comunicação generalizada ou de massas, a sociedade dos nossos tempos vive a paixão pelo conhecimento e pela transparência. Todavia, o ser humano nunca recorreu tanto a terapia, nunca ingeriu tantos antidepressivos – arriscamos a dizer que nunca o ser humano se sentiu tão só. E é na abreviatura da palavra, no ícone pré configurado que procura estabelecer a comunicação, pôr em comum, aquilo que sente para com o outro.
A distância que a rede (supostamente) transparente permite ultrapassar fica toldada pela vacuidade das palavras ditas, pela ausência de ser que nelas constatamos. Dizem-se palavras ocas, trocam-se símbolos vazios, sem sentido, confundidos com os ícones do dia a dia.
O mistério que a palavra encerra, bem como a verdade (que na nossa opinião, existe numa linguagem poética) estão... diríamos, offline para com o mundo.
Volta Holderlin, estás perdoado.