Reflexões de um Caracol à Beira da Estrada
Será a experiência estética a experiência do mundo.... o devir é um devir estético... ou será que devo atravessar a estrada?
sexta-feira, julho 14, 2006
Pela reflexão do Ser na ausência do Eu
(ui.. que inspirado que eu estou nos títulos LOL)

Excertos retirados de "A relação entre pessoa e sociedade: um olhar a partir do tempo" de Emília Rodrigues Araújo(2005):

«A designação “pessoa” remete, inegavelmente, para a problemática da identidade levando-nos, no limite, à procura da essência e da diferença do ser humano social capaz de representação e de plasticidade, ao interagir com o mundo que o rodeia.
Em traços gerais, e agora remetendo-me à Sociologia, pode considerar-se a pessoa como o último reduto do privado, da individualidade, da diferença, sendo também o último refúgio da autonomia e da Liberdade, em sentido pleno. A Sociedade, por seu turno, é remetida ao poder, ao domínio, ao controlo e à normalização. Ela representa o peso de todos os outros e sinaliza, no limite, a supremacia sobre o indivíduo, podendo aniquilarlhe a autonomia, reduzir-lhe a liberdade e fazer de si um agente, cujas opções são condicionadas pelos grupos, instituições e normas.»


«Considera-se que a identidade e, portanto, a possibilidade da realização da pessoa, é o resultado de relações complexas definidas entre o indivíduo e a sociedade.»

«A possibilidade de ser pessoa e de assumir a especificidade identitária passaactualmente, não apenas pela obtenção de tempo cuja ocupação depende do conjunto derelações estabelecidas com outros, mas da oportunidade de os indivíduos disporem detempo para si, não estritamente planeado. Trata-se de um tempo dedicado àcontemplação, à catarse do quotidiano e que está na posse do individuo.»

«A sociedade ocidental possui uma representação de tempo de tipo linear e a formacomo hoje pensamos, ocupamos e prevemos os nossos comportamentos e as nossasacções no tempo continuam muito dependentes do processo “civilizacional” (Elias,1995) pelo qual o Homem se desligou das marcações temporais de tipo natural e construiu outro tipo de referências adaptadas e justificadas no contexto daracionalização económica que se acentua a partir dos inícios do século XVIII. Alinguagem de que dispomos, as imagens e as representações que temos de tempo estãoaltamente correlacionados com o domínio social do tempo económico passível dedecompor, quantificar e medir.»

«A tecnologia e a Internet, por exemplo, permitem multiplicar estas possibilidades de um Eu fragmentado porque eliminam a necessidade do confronto individual, do reconhecimento pessoal, reduzindo a acção de controlo. Todavia, a mesma tecnologia também permitirá potenciar a realização da pessoa, ultrapassando o poder de os objectos identificativos atribuírem identidade. Ao contrário das sociedades menos marcadas pelo uso de tecnologia e outros meios de comunicação, que permitem subsumir o espaço e reduzir drasticamente o tempo, as colectividades modernas favorecem a possibilidade de os indivíduos se assumirem a si próprios perante os outros, não mostrando todos os seus sinais corporais identificatórios. É assim no mundo das comunicações electrónicas em que a escrita, arcando com um papel preponderante, permite ao indivíduo revelar muito mais de si e mais livremente. É assim no mundo das comunidades on-line. De
todo o modo, será uma possibilidade de realização pessoal mutilada porque o espaço que aí se julga público acaba por ser um espaço vivido em privado sendo, de igual modo, um espaço utópico onde todos podem não ser o que aparentam ser.

Esta relação entre pessoa, tempo, espaço e tecnologia leva-nos a uma vasta teorização sobre os processos de interacção nas sociedades modernas, sobretudo por via da confusão entre o real e o virtual, entre a realidade e a ilusão, assim como sobre o papel da tecnologia na efectiva transformação dos modos de conhecer o mundo pelo qual a pessoa se define, não só a partir da extensão que a tecnologia representa para si mas também na sua capacidade de apreender e de usar aquela.»

«A primeira grande relação entre pessoa e tempo é feita através do tempo biográfico e da memória a este associada.»

«Considerando o modelo temporal ocidental como referencial, podemos afirmar que a segunda grande ligação está ainda ano tempo biográfico mas prende-se com a capacidade de programar e de projectar. Esta relaciona-se com a existência de futuro, bem como com a real possibilidade, largamente condicionada pela sociedade, de os indivíduos terem futuro, sonharem como o tempo a frente e preverem projectos de
forma antecipada.»

«A relação entre pessoa e tempo desemboca ainda na conexão entre tempo natural e
tempo social e no modo como o primeiro se desequilibra. »

«A nossa existência desenha-se no seio de espaços e de tempos em que interagimos com os outros, através de horários e de determinadas marcações do tempo, como a semana, o mês, o ano, entre outras. No entanto, em determinados momentos ou fases da nossa vida, sujeitamo-nos a um controlo apertado do tempo, ou porque o desejamos ocupado com actividades de tipo produtivo, ou porque precisamos de serviços que apenas
acontecem em determinados períodos de tempo circunscritos que nos obrigam a regular os nossos ritmos mediante os ritmos impostos por esses outros agentes e instituições.
A sociedade pós-capitalista é uma sociedade que ainda assenta muito sobre a institucionalização temporal, não obstante o facto de se abrir cada vez mais o leque de escolhas no que respeita aos tempos de trabalho. E, à semelhança do que dizia Michel Foucault (1987), utilizando a designação de “arquipélago carceral” para classificar a sociedade normalizada, também podemos afirmar que hoje grande parte do nosso tempo
de vida é regulada pelas instituições e pelas suas temporalidades. »

«Uma posição considerada bastante radical actualmente configurada no seio das teorias designadas “pós modernas” é a de que a identidade não existe enquanto um conjunto fixo de disposições responsável pelas respostas dos indivíduos no mundo concreto. Esta tese sustém a ideia de que a identidade é um todo fluído que se “vai fazendo” em articulação com a diversidade e a heterogeneidade propostas e solicitadas
pela complexidade do meio, dos contextos, dos ambientes. Para tal, retomam-se extensivamente (e, por vezes, de forma errada) as interpretações de Georg Simmel segundo o qual os seres humanos (nós) não são mais do que fragmentos de si próprios (19107/1911). Esta visão, acentuando a fluidez, tanto na construção, como na manifestação das identidades (do ser que existe aí, no sentido de Heidegger, 1989),
premeia a variabilidade, a sinuosidade das respostas dos indivíduos (da gestão das fronteiras), ao mesmo tempo que contempla a capacidade de autonomia. No plano teórico, a sustentação desta tese radica na tomada em consideração do terreno movediço das contradições típicas das transformações sociais, da erosão de limites e de padrões de comportamentos que possam ser tomados como adquiridos.»
posted by Mikasmokas @ 7/14/2006  
5 Comments:
  • At 17 julho, 2006 11:30, Blogger lady.bug said…

    O caos no qual encontramos a nossa sociedade (de consumo pelo consumo) terá que ser ultrapassado individualmente para que a partir daí possa existir uma verdadeira comunidade de seres. Não de individuos, mas de seres presentes a si mesmos. Conscientes.

     
  • At 17 julho, 2006 11:57, Blogger Mikasmokas said…

    ora está aí uma coisa que discordo. Como comunista não vejo que essa transformação se faça pela via individual, nunca se fez e também não vai ser agora. A mudança das estruturas sociais, económicas, culturais, jurídicas, políticas, etc, resultado das relaçóes entre os seres é que na sua mudança pode-nos mudar, numa relação dialética, a nossa essência enquanto individuos, enquanto seres que vivemos em sociedade.

     
  • At 17 julho, 2006 12:05, Blogger lady.bug said…

    Mas a minha leitura não é política. É metafísica e precede a política. Os políticos (homens da polis, da cidade) só o podem ser verdadeiramente se se realizarem enquanto seres, conscientes do seu papel na sociedade. Platão foi genial quando estruturou uma sociedade piramidal (que poderia tornar-se numa verdadeira comunidade) governada por sábios (filósofos). A cidade er apois o reflexo da alma individual.
    Na alma identificam-se as partes equivalentes às classes sociais (filósofos, guerreiros e camponeses) e conclui-se que na cidade a justiça é havida pela coordenação específica.

     
  • At 17 julho, 2006 12:38, Blogger Mikasmokas said…

    além do Platão ter vivido numa sociedade em que só alguns eram cidadãos e acentava sobre a escravidão. Sem falar que as tentativas de implementação da sociedade visionada por Platão deu em anarquia no verdadeiro sentido da palavra. Mas essa visão do mundo há muito que foi desconstruída. Nós somos seres fluídos e somos porque existimos em sociedade. As estruturas e os aparelhos ideológicos estabelecem relações dinâmicas entre o ser e a comunidade. A dictomia do interior/exterior não faz qualquer sentido hoje. Isso pertence ao passado, à visão cartesiana. Apesar de por exemplo o cristianismo em muito ainda nos influenciar no quotidiano nessa matéria. Mas não fosse o cristianismo apenas uma apropriação e reacção a muitos dos comportamentos e valores pagãos da Antiguidade. A dictomia corpo/espirito, interior/exterior não se aplica mais como forma de ver os fenómemos. Somos seres unos e somos porque temos praxis e é ela que nos define com Seres-em-si.

     
  • At 17 julho, 2006 15:27, Blogger lady.bug said…

    Platão sempre foi lido como um dualista; Descartes também. Infelizmente, porque ambos tinham uma leitura espiritual do ser humano que foi sempre ignorada nos bancos da escola.
    Se Platão viveu numa sociedade onde a escravidão era uma realidade, não esqueçamos que ele admitia (ao contrário dos sofistas) que um escravo tinha tantas ou mais capacidades do que o seu senhor. Um escravo poderia ser um filósofo. O escravo podia ser senhor de si mesmo, desde que a sua alma praticasse a virtude da sabedoria.
    Apesar dos condicionalismos conjunturais, Platão teve uma visão que vai para lá da sua época. É preciso lê-lo profundamente.
    Nuca fez tanto sentido ler a realidade numa perspectiva interior / exterior, se neste momento estamos todos tão empenhados em olhar para fora e por fora e de fora e esquecemos que nós não temos que ser o reflexo da sociedade. Esta é o reflexo daquilo que somos.
    Considero que o movimento tem de partir do interior para o exterior, que não podemos querer tratar a sociedade, quando somos nós que estamos doentes por dentro, desatentos a nós mesmos e concentrados no exterior.
    É necessária uma mutação de consciência, de cada um de nós para que a mutação colectiva seja uma realidade.

     
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