ENTREVISTA De que é feito um bom pai? 14 03 2008 14.25H Um pai faz falta. A sua ausência deixa marcas para sempre, tanto nos rapazes como nas raparigas, como todas as mães deviam ter bem presente, sobretudo nos momentos de ruptura. São quase sempre eles que lhes ensinam o gosto da aventura, do desafio, e os ensinam a voar sozinhos. Mesmo num mundo em mudança, não se adivinha que alguma vez venha a expirar o seu prazo de validade.
ISABEL STILWELL - editorial@destak.pt
Para que serve o pai, tirando a parte óbvia? Para dar estabilidade e segurança à família e à comunidade onde os fi-lhos são criados. Tal como a mãe, para permitir a vinculação e servir de modelo aos filhos, sobretudo se forem do mesmo sexo. Também tem, para estes, um papel normativo.Há pais que vivem a gravidez quase como se fosse um processo no seu próprio corpo, outros que são incapazes de «sentir» alguma coisa até a criança já não «escorregar entre os dedos» - qual é o tipo de pai mais «útil» ao desenvolvimento mental de uma criança?Tudo é possível. No campo dos sentimentos, é bom que não existam normas. As normas iriam retirar toda a espontaneidade dos sentimentos que, assim, deixariam de o ser. Os pais, que não geram a vida dentro de si, são surpreendidos e seduzidos por ela. Tanto pode acontecer na concepção como no nascimento ou em qualquer outra altura. Seja qual for o momento, têm sempre um papel importante. Às vezes, esse papel pode realizar-se na sua ausência, através da imagem do pai que as mães (ou outros cuidadores) transmitem aos filhos.O pai atira os filhos ao ar e leva-os à rua sem casaquinhos «por causa do frio» - ajudam a criança a distanciar-se da mãe e a crescer? É bom que lhes ensinem o gosto da aventura, a capacidade de adaptação, a autonomia, sobretudo quando as mães estão mais preocupadas com a segurança. Alguém terá de abrir as portas e ajudar a criança a sair. Às vezes, ombro a ombro.Sente que os mais novos podem estar a crescer sem «pai» por perto - no jardim de infância e na escola primárias são sobretudo professoras, e há mais famílias monoparentais…Para os rapazes criados sem pai nem figuras masculinas, a vida pode ser dramática. Vão ter dificuldades de adaptação na vida adulta, incluindo carreira, profissão e relacionamentos sociais. As raparigas suportam-no me-lhor, podem ter carreiras brilhantes, mas dificuldades nos relacionamentos íntimos com homens.A minha geração - 47 anos assumidos - cresceu a ouvir a mãe dizer «espera até ao teu pai chegar!», como uma ameaça. Será que se inverteram os papéis - muitos pais de hoje respondem «vai perguntar à tua mãe?».Hoje é, na verdade, um pouco assim. A razão está na resposta à pergunta anterior. O certo é que existem muitos divórcios e os filhos são quase sempre entregues aos cuidados das mães, que acabam por formar famílias monoparentais.Há uma grande diferença entre a forma como as fi-lhas e os filhos se relacionam com o pai? E essa diferença é importante para a criança? Não só filha e filho, mas duas filhas ou dois filhos podem ter relacionamentos diferentes com o pai e com a mãe. Se tudo estivesse dentro das normas "psi" (incluindo os complexos de Édipo e de Electra) o parente do sexo oposto daria o suporte afectivo e o do mesmo sexo daria o suporte normativo. Mas as famílias, incluindo, agora, as novas famílias de amigos, são bem mais complexas e variáveis. Felizmente que é assim, pois a diversidade ainda constitui uma grande riqueza da humanidade (apesar dos McDonald's, shoppings e de todos os produtos de consumo uniformizados).No seu último livro (Quem Nos Faz como Somos), diz que o homem é uma espécie em vias de extinção, num mundo progressivamente dominado por mulheres… Provocação à parte, como é que acha que vai ser um pai daqui a 50 anos?A provocação é uma redução ao absurdo. É muito difícil fazer projecções para daqui a 50 anos, não por causa das diferenças de género, mas por causa da mudança energética. Estamos a acabar a civilização do petróleo e ainda não se vislumbra a próxima. A diferença de sexos e, portanto, a existência de pais e mães, foi um recurso da vida, não só humana, mas dos animais evoluídos. Este recurso (que também nos trouxe a morte) permite que as espécies mais adaptadas se mantenham, e as menos adaptadas se possam diversificar. Não creio que, em tempo de crise, a vida dispense este recurso para voltar ao hermafroditismo ou à cissiparidade (uma espécie de clonagem de alguns animais primitivos). Portanto, existirão, sim, pais e mães. Quanto ao papel que cada um possa desempenhar, já não sei. Suponho que será definida como mãe quem gerar os filhos nas suas entranhas. Os pais estarão cá fora para os receber e ajudarem a crescer em segurança.Muitos homens queixam-se de que os tribunais, num caso de um divórcio, dão todo o «poder» às mães, e em muitos casos elas conseguem afastá-los da vida dos filhos. Com que consequências? As mães têm todo o poder sobre os filhos, a começar pelo poder de decidir a sua existência. Mas é falta de inteligência não partilharem esse poder com os pais. O que acontece é que muitas mulheres são incapazes de compreender os homens (parece-me a mim que os homens estão mais bem preparados para compreender as mulheres). Em consequência, põem-nos fora de casa ao mínimo contratempo e deixam crescer dentro delas um rancor que as cega. Não quero dizer que o mesmo não se possa passar com os homens. Mas estes não generalizam tanto o seu rancor e são menos radicais nas decisões de ruptura.Etiquetas: criança, mãe, pai, pais separados, poder paternal |