Reflexões de um Caracol à Beira da Estrada
Será a experiência estética a experiência do mundo.... o devir é um devir estético... ou será que devo atravessar a estrada?
segunda-feira, julho 25, 2005
VIDA PRIVADA

VIDA PRIVADA (1)

O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República pronunciou-se largamente sobre a temática da protecção da vida privada. A comprová-lo, a diversidade de pareceres formulados, traduzindo, uns, a conflitualidade existente entre este direito e o direito à informação, outros, a projecção que aquele direito assume, designadamente, no âmbito do direito penal. Todos realçam, todavia, a importância da protecção da vida privada como valor a ser considerado na complexidade das relações juridico-sociais.

1. A protecção da vida privada como uma das limitações ao acesso à informação

1.1. Os pareceres nºs 133/76, 136/76, complementar e 138/83, pronunciam-se sobre a legalidade da prestação de informações, por parte das autoridades policiais e instituições de crédito.

Assim, o parecer nº 133/76 aprecia a questão da legalidade da prestação de informações, por parte das autoridades policiais, às companhias de seguros sobre elementos constantes de participações dos acidentes de viação.

Analisando a viabilidade de tal prática, o parecer defende que a eventual vantagem, para os serviços e para os sinistrados, resultante de uma mais célere informação sobre o acidente ... deverá ceder perante os valores mais elevados que o instituto do sigilo tutela, referindo, a título exemplificativo, o direito à reserva da intimidade da vida privada como um dos obstáculos à prática descrita.

Deste modo, chega-se à convicção que o confronto entre os interesses em jogo pende desfavoravelmente à prática sugerida pelo Instituto Nacional de Seguros. O que, evidentemente, não prejudica o reconhecimento do acesso à informação (v.g. o artigo 5º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro) direito de que, todavia, não podem socorrer-se os profissionais de seguros.

O parecer nº 133/76, complementar, abordou a questão da adopção pela Polícia Judiciária de um documento (minuta), com o intuito de dar satisfação às companhias de seguros que solicitam aos segurados, sempre que estes lhes participam a ocorrência de crime de furto, roubo ou dano, a comprovação de haverem apresentado queixa.

Em abono da referida adopção o parecer defende:

(...) quando a própria vítima ou ofendido se presta a que se dê publicidade dos factos, os problemas da protecção da intimidade da vida privada e a tutela penal desta acham-se consideravelmente atenuados.

Ora, constata a Polícia Judiciária que as seguradoras exigem aos seus segurados prova de terem participado às autoridades os crimes de que se queixam (furto, roubo ou dano).

A esta luz, uma declaração do tipo da que vem proposta revestir-se-ia de inegável interesse prático e desbloqueador, não pondo em causa os valores relacionados com a vida privada na medida em que é o próprio ofendido que solicita a declaração.

Por último o parecer defende que o exposto em nada contraria a doutrina dos pareceres nºs 133/76 e 121/80.

Com efeito, a problemática submetida à análise do parecer nº 121/80, a seguir publicado na íntegra, traduz as dúvidas que se têm levantado sobre o (....) correcto relacionamento da Polícia Judiciária com os meios da comunicação social, mais especificamente, sobre o modo de conciliar o instituto do segredo de justiça que tutela a presunção de inocência e a eficácia das investigações, o direito ao bom nome e à privacidade, com o direito à informação.

A este propósito, colocam-se três questões à sua apreciação:

1ª- Pertencendo a direcção da instrução criminal, por força da Constituição da República, a um Juiz de instrução, constituindo a Polícia Judiciária mero organismo auxiliar de administração da Justiça, que legitimidade pode ela ter para prestar informações aos orgãos de comunicação social no âmbito dos processos em que se verifica a sua intervenção?

2ª- Será conciliável com o direito à privacidade a pública revelação, pela Polícia e pelos jornais , de que alguém - que nessa divulgação eventualmente não estaria interessado - apresentou uma queixa no piquete da Polícia Judiciária ? Será conciliável com tal direito a pública divulgação - sem o seu consentimento expresso nesse sentido - da identidade do queixoso, sua residência e lista exaustiva dos objectos que, por hipótese, possuía e tenham sido furtados?

3ª- Que legitimidade tem a Policia Judiciária para fornecer à Imprensa relatos sintéticos das investigações concluídas, com ressalva da identidade dos arguidos? Como conciliar uma eventual inibição do exercício de tal faculdade com o indiscutível interesse que, em matéria de prevenção genérica e específica resulta da pública divulgação pelos orgãos de comunicação social das actividades da Polícia no combate à criminalidade?

Pronunciando-se desenvolvidamente sobre os temas do segredo de justiça e intimidade da vida privada o parecer considera a conflitualidade latente entre o valor da intimidade da vida privada, o direito à informação e o direito a informar. No que respeita a esta última temática, faz-se uma incursão no direito comparado, antes de se passar à análise do direito interno.

O parecer nº 138/83 opina sobre a orientação a seguir pelas instituições de crédito nas suas relações com a Administração Fiscal, quando instadas a fornecer factos ou elementos das suas relações com os clientes.

Na respectiva abordagem, estabelece-se o confronto entre o interesse do cliente à reserva sobre os dados e informações que o banco possui relativamente às suas relações com ele e o interesse de terceiros (...) em tomar conhecimento desses dados; a este propósito, analisa-se a temática ao nível do direito comparado e ao nível do direito interno .

No que respeita às derrogações que o dever de sigilo comporta afirma-se no parecer que, em matéria fiscal, o objectivo de conseguir a determinação correcta de matéria colectável das contribuições pode levar ao estabelecimento de derrogações mais ou menos amplas ao dever de sigilo bancário. É à lei que compete resolver o conflito entre a protecção da esfera privada do indivíduo e a necessidade de assegurar o funcionamento eficaz da organização social(2). Consoante a prevalência que for dada a um ou a outro destes interesses, assim se acentuará a extensão do dever de segredo ou das derrogações.

E acrescenta, (...) na doutrina, ao lado de autores, como Farhat(3), que defendem um dever de sigilo bancário muito amplo,(…), outros há, como o Di Amato (4), que sem esquecerem a necessidade de conservar aquele dever de sigilo, enquanto garantia necessária da esfera privada individual, dão também ênfase à necessidade de protecção doutros interesses públicos de maior importância, tais como a luta contra a criminalidade organizada.

Daí que este último autor proponha a criação de um centro de dados possuídos pelas instituições bancárias, ao qual tenham acesso, em condições a definir, o fisco, as autoridades judiciárias e os orgãos de direcção da economia. Assim se conseguiria, em sua opinião, um justo equilíbrio entre a exigência de tutela da esfera patrimonial reservada de cada indivíduo e as exigências da solidariedade social (5).

1.2. Protecção da vida privada versus direito a informar e a ser informado

O parecer nº 121/80, complementar, considera o "grau de divulgação" a conceder ao inquérito sobre os "acontecimentos do primeiro de Maio na cidade do Porto". Em causa, pois, o confronto entre o direito dos cidadãos a serem informados e esclarecidos, com o interesse público do Estado na boa administração da justiça.

Colocada a questão nestes termos, o parecer invoca a Recomendação nº R (81) 19 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros, sobre o acesso à informação em poder das autoridades públicas. Este documento elabora uma série de princípios no sentido de ser assegurado esse acesso, não sem admitir que a aplicação dos mesmos (...) pode ser submetida a algumas limitações e restrições, necessárias numa sociedade democrática, para a protecção de legítimos interesses públicos, de entre as quais se destaca a protecção da vida privada a par da segurança pública, do bem estar económico do país, e da prevenção do crime, entre outras.

Deste modo, tem-se em conta o interesse particular do indivíduo às informações que, detidas pelas autoridades públicas, lhe respeitem pessoalmente.

Também o parecer nº 23/86 (6), realça as restrições impostas à liberdade de informação ao nível da apreciação do problema da definição dos limites do direito de acesso às fontes de informação na posse da Administração Pública como pressuposto do exercício da liberdade de imprensa.

Neste âmbito, referem-se, a título exemplificativo, (…) os trabalhos preparatórios da Recomendação 854 (1979), relativos ao acesso do público aos documentos governamentais e à liberdade de informação, adoptada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em 1 de Fevereiro de 1979, a qual precedeu a Recomendação nº R (81) 19 do Comité de Ministros, já citada, [ e que] dão conta de que, de maneira geral, os Estados não aplicam o princípio do livre acesso, (...), nomeadamente no domínio seguinte:

" (...) "dossiers" pessoais ou médicos e elementos de informação diversos cuja comunicação constituisse um atentado à vida privada sem prejuízo do acesso dos cidadãos às informações que lhes respeitem pessoalmente".

Se bem que se afirme que "só uma sociedade informada pode ser democrática", não se deixa, porém, de reconhecer "excepções inelutáveis" à regra da tansparência. E acrescenta-se: "Parece tratar-se de uma matéria (a das restrições) que não se presta a uma harmonização".

O parecer prossegue afirmando que o Comité de Ministros, em 25 de Novembro de 1981, veio a adoptar a mencionada Recomendação nº R(81)19 sobre o acesso à informação detida pelas autoridades públicas, onde se afirma que (...) a aplicação dos princípios precedentes [ que consagram o direito de acesso à informação] não pode ser submetida senão às limitações e restrições que se revelem necessárias, numa sociedade democrática, para a protecção de interesses públicos legítimos (tais como, a segurança nacional, a segurança pública, a ordem pública, o bem-estar económico do país, a prevenção do crime, a prevenção da divulgação de informações confidenciais) e à protecção da vida privada e de outros interesses legítimos privados, sem prejuízo da consideração devida ao interesse particular do indivíduo às informações detidas pelas entidades públicas que lhe respeitem pessoalmente (...).

O parecer nº 92/91 propõe-se, averiguar se podem ser autorizadas escutas telefónicas antes da abertura do inquérito e com base na mera suspeita da prática de um crime.

Assim, regista-se que (...) a propósito do conflito entre o direito à informação dos jornalistas e o direito à intimidade da vida privada, considerou o Conselho de Imprensa, em parecer proferido em Maio de 1988, que era lícita a divulgação de factos da vida privada quando o próprio nisso consentisse ou quando houvesse legítimo interesse do público em conhecê-los.

Salientou que o interesse legítimo do público em conhecer factos da vida privada era susceptível de decorrer do facto de as pessoas haverem participado acidentalmente na "história contemporânea", serem personagens dessa história, candidatos a cargos públicos sujeitos a eleição, exercerem actividades públicas conferentes de notoriedade, designadamente artistas, actores, desportistas, escritores.

Mas ponderou que tal interesse público não legitima a notícia de todos e quaisquer factos da vida intíma dessas pessoas, sob pena de a liberdade de imprensa esmagar o direito à intimidade, antes devendo prevalecer o critério de adequação da informação ao seu efeito útil, em termos de conexão com os cargos ou actividades públicas por eles desempenhados.

E exemplificou ser lícito noticiar os eventos relativos à vida íntima de um candidato a um lugar elegível que devam ser ponderados pelos eleitores no processo relativo à escolha.

E concluiu que no conteúdo do direito à privacidade, que perdura para além da morte, sempre serão de incluir os factos relativos à vida afectiva e familiar (7) .

1.3. Protecção da vida privada versus principio da administração aberta

O parecer nº 197/83 debruça-se sobre a passagem de certidões comprovativas da inscrição no recenseamento eleitoral, por parte das Comissões Recenseadoras, a requerimento de terceiros, mais especificamente advogados no exercício da sua profissão liberal.

Neste contexto, analisa-se o direito à obtenção de certidões em conjugação com os interesse da Administração e os de terceiros a quem o conteúdo dos documentos possa respeitar.

Assim, e reflectindo sobre o direito à informação em geral, e sobre o direito à obtenção de certidões em particular, seus limites ou restrições, o parecer invoca entre estas, as que se prendem com a intimidade da vida privada e familiar dos cidadãos, que a Constituição da República reconhece (artigos 26º e 35º, nº 3). Não obstante, o parecer defende que no caso concreto não se suscitam ... limitações dessa índole.

Com efeito, nenhum dos elementos que obrigatoriamente figuram no cartão de eleitor - e que são, nos termos do artigo 24º, nº 1, da Lei nº 69/78 o número de inscrição, o nome, a freguesia e o conselho da naturalidade, número e arquivo do bilhete de identidade, se o tiver, e a data de nascimento - pode razoavelmente entender-se como integrando a "intimidade da vida privada e familiar", cuja reserva o artigo 26º, nº 1, da Constituição reconhece (8).

Todos estes elementos - à excepção do número de inscrição e do número e arquivo do bilhete de identidade - constam, aliás, dos livros do registo civil e, neste domínio, (...) a lei confere legitimidade para requerer certidão dos registos constantes dos livros de registo com a maior das amplitudes: "Qualquer pessoa tem legitimidade para requerer certidão dos registos constantes dos livros do registo, salvo as excepções previstas nos números seguintes" (artigo 265º, nº 1, do Código do Registo Civil).

Certo que a solução do problema não se revela tão fácil, quando se entenda que as certidões "relativas ao recenseamento", a que se refere o nº 2 do artigo 70º, devem abranger não só os elementos que figuram no cartão de eleitor (artigo 24º, nº 1) [ da Lei nº 69/78 - Lei do Recenseamento Eleitoral] , mas ainda outros elementos que integram o teor da inscrição, como sejam a filiação e morada (artigo 20º, nº 19).

Neste âmbito, afirma-se, há que distinguir consoante a referência seja a morada ou a filiação.

Assim, e no que respeita à primeira, considera-se não existir, sob o apontado ângulo da intimidade da vida privada e familiar, fundamento que se oponha à passagem de certidão que inclua referência à morada.

Quanto ao elemento filiação já haverá , porém, que ter em atenção as excepções previstas no nº 2 do (...) artigo 265º do Código de Registo Civil (9)).

Desconhece-se como, em obediência ao preceituado no artigo 20º da Lei 69/78, o elemento filiação é levado à inscrição. De qualquer modo, não pode deixar de entender-se que na passagem de certidões relativas ao recenseamento as comissões recenseadoras terão que ter em atenção o disposto no [ já citado] nº 2 do artigo 265º (...).

O parecer nº 76/84 (10), reportando-se às dúvidas suscitadas pelo concurso de provimento para preenchimento de um lugar no quadro da Biblioteca Nacional, analisa um elenco de questões colocadas à sua apreciação, de entre as quais se destaca a de saber se a confidencialidade das actas, prescrita no citado nº 3 do artigo 22º do Regulamento em causa, obsta à passagem de certidão que delas peçam os concorrentes.

Nesta sequência, depois de analisados o conceito de certidão e o termo confidencial, aprecia-se a tese da inadmissibilidade de passagem de certidões de documentos confidenciais, referindo-se, a esse propósito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Janeiro de 1981, onde se ponderou que a consagração constitucional do direito à informação importa a redução dos assuntos que devem ser considerados confidenciais, secretos ou reservados.

Em comentário a esse acórdão Rodrigues Queiró ponderou que "o direito à informação, tal como se deve entender na Constituição, não é um direito absoluto ou ilimitado. Comporta necessariamente excepções ou restrições. Ao interesse de transparência ou da publicidade dos processos administrativos, que alimenta o direito fundamental à informação, deverão sobrepor-se, com restrição de interesse comum, as exigências de segurança nacional e da política exterior do País, além de outros direitos fundamentais, preponderantes, como o direito ao respeito pela vida privada dos cidadãos.

Estas excepções, deduzidas por interpretação restritiva, não reduzem ou diminuem o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais respeitantes ao direito fundamental em questão, conteúdo essencial de que se fala no artigo 18º, nº 3, da Constituição.

Continuando a citar Rodrigues Queiró, o parecer conclui que a passagem de certidões dos processos arquivados ou em curso só pode ser recusada se se verificar alguma das referidas excepções (11).

2. A protecção da vida privada - projecção em matéria de direito penal e processual penal.

2.1. O parecer nº 17/83 aborda a tutela penal do direito à reserva da vida privada no âmbito da qual se faz referência à inexistência de definição legal do direito à intimidade da vida privada, "deixando-se a precisão do conceito à doutrina e à jurisprudência". É, no entanto, adiantada uma definição de vida privada como sendo " ‘aquele conjunto de actividades, situações, atitudes ou comportamentos individuais que, não tendo relação com a vida pública (privado entendido como separado da coisa pública), respeitam estritamente à vida individual e familiar da pessoa (12)’ ".

Ou ainda "através de uma conotação com a ideia de vida tranquila, salvaguarda da possibilidade de isolamento, da consagração da liberdade interior, do desejo de estabelecer relações pessoais sem interferência externa (13).

Não se exclui, aliás, que a noção respeite ao direito de se opor às ingerências de outrem .

Mas não ficam por aqui (...) as possibilidades de enriquecimento daqueles conceitos, a pressuporem elaboração doutrinal e jurisprudencial permanentes.

A ideia de defesa contra ingerências externas ilegítimas é, no entanto, de reter como interesse fundamental da pessoa, a proteger juridicamente."

O Conselho Consultivo, chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se o sigilo bancário constitui limite ou obstáculo à execução de despacho judicial que, em procedimento cautelar de arrolamento, determinou a uma entidade bancária que informe o montante de saldos de contas arroladas de depósito bancário, formulou o parecer nº 28/86 (14).

Neste parecer são, nomeadamente, analisadas as teorias sobre a conjugação do dever de sigilo bancário com o dever de cooperação com a justiça – "Teoria do Banco" e "Teoria do Tribunal" (15) -, e respectivos fundamentos.

Nesta sequência, e no âmbito das críticas formuladas à primeira das mencionadas teorias, pondera-se o alcance do referido dever de cooperação com a justiça:

Trata-se, manifestamente, de um interesse superior da comunidade, que transcende os interesses particulares dos cidadãos e que com eles, por isso, se não confunde. Logo, não pode a realização desse interesse superior ser inviabilizada, a nível infra-constitucional, atráves de multiplicação indiscriminada de situações e de casos em que seja lícito negar a colaboração com a justiça. Só em casos-limite, por assim dizer, se justifica o direito ou o dever de não concorrer para a realização desta e para a salvaguarda de interesses também importantes para a comunidade: como quando se trata da protecção da liberdade religiosa, da liberdade de imprensa, da protecção da intimidade da vida privada.

O parecer acrescenta, em nota marginal, que não é certamente por acaso que o artigo 185º do Código Penal está incluído no Capítulo VI (dos crimes contra a reserva da vida privada) do Título I (Dos crimes contra as pessoas) da Parte Especial.

E continua, acompanhamento de perto as considerações proferidas por Maia Gonçalves, nele estão abrangidos tão só os segredos de profissões que assentam numa relação de confiança, segredos que, em si, não são redutíveis a uma expressão económica.

O mesmo acontece no Código Penal da República Federal da Alemanha, onde o artigo 203º (violação de segredos privados) está incuído no Título XV (Atentado à esfera da vida pessoal e privada), que aliás, não abrange a violação de segredo bancário (...).

Lê-se ainda, a propósito das criticas formuladas pelo parecer à teoria do tribunal:

(...) para assegurar "o clima de confiança na banca e estimular depósitos" não é necessário sacrificar o interesse público da administração da justiça.

Tem-se dito - e com propriedade - que o sigilo bancário tem por fundamento a própria lei (...) seja porque se reconheceu o carácter de interesse público à discrição da vida privada, seja porque se entendeu que o prestígio da função reclamava a manutenção e o reforço da confiança do público em geral nas instituições de crédito (...), mas é evidente que uma coisa são os fundamentos gerais da instituição do sigilo bancário, outra o carácter absoluto deste.

A confiança generalizada na banca e o prestígio desta não necessitam do sacrifício do interesse público da cooperação com a justiça, porque, se assim fosse, ficariam por compreender as diversas disposições legais que expressamente declaram que o segredo bancário cede perante o dever de cooperar (...).

Quanto ao interesse da discrição da vida privada, o argumento provaria demais, porquanto, salvo o caso do segredo religioso, a ordem jurídica, que deve presumir-se unitária e coerente, nunca foi tão longe que não lhe admitisse restrições - e em domínios bem mais sensíveis e importantes do que a discrição relativa a bens e haveres patrimoniais ou a relações negociais.

Por sua vez, o parecer nº 16/94, complementar, (16) (17), visa a dilucidação das dúvidas apresentadas pela TELEPAC, Serviços de Telecomunicações, S.A., sobre a definição e determinação dos limites de colaboração que possua ou deva manter com autoridades de investigação criminal relativamente ao serviço de comunicações que presta.

Na análise do sigilo de correspondência e das telecomunicações, instrumento de garantia do direito fundamental à intimidade da vida privada, afirma-se no parecer:

(...) Só no domínio do processo penal é que a lei ordinária pode prever restrições à referida garantia.

E, correspondentemente, traduzindo o relevo e protecção na conformação de valores fundamentais, o Código Penal incriminou condutas violadoras do direito dos cidadãos à comunicação reservada - ao sigilo das comunicações.

Assim, tanto a intromissão da vida privada mediante acesso às comunicações telefónicas, como a violação da correspodência e das telecomunicações, constituem infracções tipificadas no Código Penal.

Prevêem a este respeito os artigos 192º, nº 1, alínea a), e 194º, - cada um com o respectivo âmbito de protecção definida - a reserva de intimidade da vida privada e, autonomamente, o próprio sigilo da correspondência e das telecomunicações (18) (19) (...).

Intimamente relacionado com o direito à intimidade da vida privada está, defende-se, o conceito de segredo. Com efeito, (...) o exercício de certas profissões, como funcionamento de determinados serviços exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a elas tenham que recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidae, quer física, quer jurídica (...).

Daí que a violação da obrigação a que ficam adstritos certos agentes profissionais de não revelarem factos confidencias conhecidos através da sua actividade funcional - obrigação que informa o conceito do segredo profissional - seja púnivel não só disciplinarmente mas também criminalmente (...) (20)’.

E mais à frente acrescenta o parecer (...) a problemática do dever de segredo não tem, pois, adequada solução dentro dos parâmetros jusprivatisticos.

A natureza dos interesses públicos envolvidos encontra o seu fundamento

na referência constitucional: o segredo profissional contém deveres que respeitam a um bem jurídico fundamental do ordenamento jurídico - a intimidade. Por isso, esta referência constitui um guia interpretativo essencial na consideração e determinação da natureza dos interesses protegidos. A dignidade e a intimidade são irrenunciáveis , como direitos fundamentais e como fundamentos da ordem política ou da convivência social; por isso, o cidadão apenas estará legitimado a dispôr e a consentir na revelação de alguns aspectos da sua vida privada, enquanto aspectos parcelares relativamente aos quais a vontade própria será relevante (21).

2.2. Também o parecer nº 92/91, já citado, reflecte a projecção que o direito à intimidade da vida privada assume no âmbito processual penal.

Registe-se o que, a este propósito, nele se escreveu:

(...) O direito ao sigilo das comunicações privadas implica para terceiros a obrigação de não devassar e, no caso de acesso a elas, lícito ou ilícito, de não divulgarem o seu conteúdo (22).

Extensão da pessoa humana, o direito à comunicação privada sem intromissões não consentidas, é, pois, em regra, inviolável.

Mas há excepções. Com efeito, as necessidades de perseguição penal, de obtenção de provas, de que depende a administração da justiça penal, assaz essencial ao desenvolvimento tanto quanto possível harmónico da sociedade politicamente organizada, justificam, porém, a compressão do direito individual à comunicação reservada, naturalmente em razão da natureza axiológica deste último direito e necessariamente em termos de proporcionalidade.

A toda a limitação de direitos devem estar presentes os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade entre a gravidade do facto humano penalmente ilícito e doloso e a intensidade ou gravidade da ingerência.

Trata-se de princípios que são lógico corolário daqueloutro da menor intervenção possível que a lei refere a propósito das medidas de coacção - artigo 193º do CPP-, mas que é de ordem geral, por isso aplicáveis em sede de meios de obtenção de prova (...).

Reconhecendo o relevo fundamental do direito dos cidadãos à palavra e à comunicação reservada, incriminou o Código Penal de 1982 -CP-, com prisão até um ano e multa até 60 dias, mediante queixa do ofendido, quem, com o propósito de devassar a intimidade da vida privada de outrem, interceptar, escutar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar, sem consentimento de quem nela participe, qualquer conversa ou comunicação particular" (artigo 180º, nº 1, alínea a) ) (23).

É patente na formulação deste tipo de ilícito a consideração da danosidade social derivada da violação ilícita e dolosa do direito dos cidadãos à reserva da palavra e da comunicação privada, ideia matriz que deve estar presente no processo decisório relativo à obtenção de prova em processo penal (...).

Neste sentido, (...) a propósito do meio de obtenção de prova que é a escuta ou gravação de comunicações privadas, afirmou Eduardo Correia, cerca de vinte anos antes da publicação do Código de Processo Penal português actual, que a utilização dos microfones ocultos, de registos relativos às conversações privadas que um dos interlocutores ignora, violava a intimidade e colidia com as regras elementares da lealdade em termos tais que as regras éticas, que impõem a verdade material, não podiam deixar de proibir, salientando o perigo das alterações e a possibilidade de arranjos artificiais que a utilização desses meios permitia, e concluiu que a sua proibição embora não expressamente prevista na lei portuguesa não poderia deixar de ser considerada como consequência imposta por razões de ética que afloravam no nosso sistema jurídico (...) (24).

E prossegue o parecer, mais adiante:

A opção de política legislativa no sentido de permissão da obtenção da prova relevante para o processo penal através das escutas telefónicas teve, naturalmente, em linha de conta a ponderação dos bens juridicamente protegidos, isto é, o equilibrio entre a garantia do direito fundamental à intimidade da vida privada e o interesse público quanto à repressão da actividade criminosa.

Em confronto, pois, o malefício da intromissão não consentida e a vantagem da perseguição penal dos autores dos factos anti-sociais graves (...).

Mas em processo penal vigora o princípio da liberdade de prova, naturalmente com limites que derivam da dignidade da justiça e do respeito que ela deve inspirar, designadamente não usando meios atentatórios contra os valores fundamentais da civilização (25).

A solução encontrada nas diversas legislações tem sido, (...), no sentido da admissão excepcional do referido meio de obtenção de prova, inserindo rigorosa delimitação dos pressupostos da sua admissibilidade e da forma de o operar (26).

Do mesmo modo, o parecer 92/91, complementar, acentua, reapreciando a questão, o carácter excepcional da recolha de provas em processo penal, ao analisar se do auto a que se reporta o artigo 188º do Código do Processo Penal de 1987 -CPP- deverá constar a transcrição do contéudo das gravações ou comunicações telefónicas.

Assim, sustenta-se:

(...) A excepcionalidade no âmbito da recolha de provas em processo penal das escutas telefónicas ou similares, face á garantia dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados de liberdade de comunicação e de intimidade da vida privada, aponta no sentido de adopção de uma solução que, sem afectar o fim daquele meio de obtenção de prova, limite os efeitos nefastos da violação daqueles direitos.

A transmissão do conteúdo das gravações telefónicas ou similares, pelos meios materias e humanos que envolve, aumenta o risco da devassa da intimidade da vida privada dos cidadãos.

Não é justificavel e, consequentemente, admissível, que, gravadas comunicações telefónicas com informações da vida íntima dos cidadãos, sem a mínima conexão com o objecto material do processo em causa, devam ser objecto de transcrição integral nos autos em apreço.

Desta forma, e reiterando o raciocínio explanado no parecer principal, considera-se:

Atenta a finalidade da permissão excepcional das escutas telefónicas ou similares - descoberta da verdade sobre a existência de certos crimes ou a sua prova-, e a proporcionalidade que deve existir entre aquele fim e os meios instrumentais conducentes à sua realização, em que prepondera o princípio da necessidade ou da mínima intervenção possível na esfera dos cidadãos, bem como o princípio da utilidade processual, de que são corolário os princípios da simplicidade e celeridade, impõe-se a solução de transcrição, no auto a que alude o nº 1 do artigo 188º do CPP, do conteúdo das gravações que seja estritamente necessário à realização do fim a que serve de instrumento.

Face à excepcionalidade prevista na lei do meio excepcional de recolha de prova que são as escutas telefónicas ou similares, não pode deixar de se considerar a proibição de praticar no processo penal actos inúteis, que resulta do disposto nos artigos 4º do Código de Processo Penal e 137º Código de Processo Civil (...).

3. A intimidade da vida privada como direito fundamental na ordem jurídica portuguesa e nos textos internacionais.

A emissão da informação-parecer nº 120/80 resulta de uma consulta formulada pelos familiares das vítimas do acidente de Camarate, na qual se pretende saber se a publicação do livro que inclui relatórios de autópsias efectuadas nos cadáveres, na parte em que descrevem pormenores íntimos dos falecidos, constitui ofensa à reserva da intimidade da vida privada.

O parecer inicia a sua abordagem apreciando a definição e caracterização doutrinária do termo "direito à intimidade". Sobre este tema acompanham-se de perto as considerações tecidas por Rabindranath Capelo de sousa (27) e De Cupis (28):

Defende o primeiro dos autores citados: Os direitos de personalidade - entre os quais se insere o direito à intimidade da vida privada - podem ser definidos como direitos subjectivos, privados, absolutos (29), gerais, extrapatrimoniais, inatos perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida (30).

De Cupis (...) entende por esfera intima da vida privada ‘aquele sector da vida que se desenvolve entre as paredes domésticas e no âmbito da familia’ e considera o direito da pessoa conservar a discrição mesmo em torno dos acontecimentos e do desenvolvimento da sua vida como uma manifestação do direito de resguardo, a par do direito à imagem. O direito ao resguardo é o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento, por parte das outras pessoas, de quanto se refere à própria pessoa, incluindo todos os outros acontecimentos e o desenvolvimento da sua vida, com experiências, lutas e paixões pessoais que lhe estão intimamente ligadas não podendo, por isso, conceder-se livre acesso à curiosidade do público.

Admitem-se, porém, limitações ao referido direito, pois, a notoriedade faz com que não possam opor-se à difusão da própria imagem e à divulgação dos acontecimentos da sua vida privada. O interesse público sobreleva, nesses casos, o interesse privado. No entanto, mesmo nesses casos, as exigências do público detêm-se perante a esfera íntima da vida privada e, para além disso, as mesmas exigências são satisfeitas pelo modo menos prejudicial para o interesse individual (...).

Regista-se, no entanto, que (…) são, infelizmente, escassos os contributos da doutrina e praticamente nulos os da jurisprudência para uma mais desenvolvida caracterização do referido direito ou "diritto alla riservatezza", como dizem os italianos (...) (31).

Posto isto, e atendendo a que a dilucidação da questão, objecto da consulta assenta na delimitação do alcance das normas legais que consagram o direito à intimidade da vida privada, o parecer analisa o artigo 80º do Código Civil (32), concluindo, porém, que (...) o legislador não dá uma definição do direito à intimidade da vida privada.

Com efeito, defende-se que a indefinição resulta, desde logo, do disposto no nº 2 in fine do artigo 80º, na medida em que faz depender a sua aplicabilidade do critério do julgador. Não obstante, reconhece-se que, nos termos daquele mesmo dispositivo, o seu juízo deve obediência a duas bases objectivas: uma, assenta na natureza do caso, dado que a divulgação dos factos da vida íntima da pessoa pode ofender em maior ou menor grau o seu decoro, respeitabilidade ou bom nome; a outra, reporta-se à condição das pessoas, pois varia bastante, de acordo com ela, a reserva que as pessoas guardam ou exigem quanto à sua vida particular.

Finalmente conclui a informação-parecer, regressando ao objecto da consulta, que a divulgação dos aludidos relatórios não ofende o direito à intimidade da vida privada. A argumentação gravita em torno deste direito:

Este - anota o parecer - encontra-se fortemente influenciado pelo right of privacy anglo-saxónico, que pode ser definido como o right to be let alone, à vida tranquila: salvaguarda a possibilidade de isolamento, a consagração da liberdade interior, o desejo de estabelecer relações pessoais sem interferência externa (...) (33).

Respeita, portanto, a actos ou situações das pessoas enquanto vivas, visa garantir o resguardo da sua vida privada. A violação do dever de reserva há-de respeitar a actos ou a situações da vida dos lesados, embora a consumação dessa violação possa vir a ter lugar apenas após a morte dos interessados. Se há direitos de personalidade, como o direito ao nome, à confidencialidade da correspondência, à imagem, que podem ser directamente violados após a morte do respectivo titular, pelo contrário, a prática material do acto violador da intimidade da vida privada há-de ocorrer em vida do interessado, embora possa ser divulgado apenas após a sua morte.

Com o morto cessa a vida privada e familiar do defunto, não fazendo sentido que, após aquela, se admitam violações originárias à intimidade desta.

Para além destas considerações, importa assinalar que a descrição do vestuário de um cadáver e da sua subsequente autópsia não viola aqueles interesses que, historicamente, estiveram sempre subjacentes à tutela da intimidade da vida privada, desde que obviamente, tal descrição se cinja às exigências legais e técnicas de tal exame perícial (...).

Mais considera o parecer:

(...) admitindo, por hipótese de raciocínio, que a divulgação em livro dos aludidos relatórios, violava a intimidade da vida privada dos falecidos (...) mesmo assim tal violação não seria ilícita.

É que o direito à intimidade não é um direito absoluto, no sentido de não consentir restrições, mais ou menos amplas, por força da afirmação de outros direitos.

Trata-se de um direito relativo numa dupla acessão. Primeiro, porque a sua própria extensão varia consoante factores objectivos e subjectivos. Entre aqueles - segundo Manuel Januário Gomes, estudo e loc. cit., págs. 31 e 32 - conta-se a actuação incisiva e constante do Estado, nomeadamente o direito à informação, à liberdade constitucional de expressão e de imprensa, e o modo de vida quotidiano actual, com desenvolvidíssimas técnicas de captação e armazenamento das informações, com a prosmiscuidade dos transportes e habitações. Os factores subjectivos têm a ver com a pessoa, quer considerada isoladamente, quer focada enquanto membro do corpo social (...).

Trata-se, manifestamente, de um caso em que o direito dos cidadãos à informação e o correspondente dever de a prestar, aliado ao interesse público legítimo de evidenciar o correcto funcionamento das instituições políticas, jurídicas e policiais envolvidas, justificaria o sacrifício do direito à intimidade da vida privada (34).

Sacrifício que, como atrás se procurou demonstrar nem sequer terá existido no caso presente.

Porque a afinidade da temática o permite, abordar-se-ão em conjunto a informação parecer nº 66/84 e o parecer nº 108/90.

A citada informação dedica-se à análise de uma nota informativa sobre a prevenção e sanção do tráfico ilegal de estupefacientes e sobre um projecto de convénio relativo à comunicação de antecendentes penais.

Por sua vez, o parecer nº 108/90 aprecia a "Convenção sobre comunicação de antecedentes criminais e de informação sobre condenações judiciais por tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas", aprovada pela VI Conferência de Ministros da Justiça dos países Hispano-Luso-Americanos.

Ambos analisam a conformidade jurídica dos documentos face ao ordenamento jurídico português, fazendo referência, ainda que breve, à norma constante do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. Sobre o direito à intimidade da vida privada afirma-se que este assume um lugar relativo no quadro de protecção constitucional dos direitos fundamentais, nomeadamente sofrendo as restrições impostas pela realização cabal do direito à segurança (artigo 27º, nº 1, da Constituição).

O parecer nº 103/86 opina, por seu turno, acerca da admissibilidade da publicação de uma lista das entidades em situação de dívida à Segurança Social.

No contexto da indagação, o parecer pronuncia-se sobre a determinação do sentido e alcance do artigo 26º da Constituição e respectiva aplicabilidade às pessoas colectivas.

Assim, e invocando a Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, afirma-se no parecer que este diploma contém dispositivos legais que inviabilizam a prática descrita no objecto:

Trata-se dos nºs 1 e 2 do (...) artigo 43º (35). De facto, a existência de dívida à segurança social é um "dado da natureza estritamente privada", referente à situação económico-social dessas actividades, e aqueles normativos não permitem publicação desses dados, (...), pois não se trata de dados de que haja "obrigação geral de comunicação" por parte dos contribuintes .

Tais dados resultam apenas do "tratamento" de outros elementos em poder da Segurança Social, e, além do mais, a sua publicidade contraria o princípio de que o tratamento da informação deve ter forma legal e ser adequado à finalidade da recolha.

Por outro lado, pondera-se na nota [ da Direcção-Geral da Segurança Social enviada à Procuradoria-Geral da República] , que tal publicação atentaria contra o "bom nome e reputação" que o nº 1 do artigo 26º da Constituição reconhece e garante "a todos" (...).

Vejamos:

Uma primeira questão levanta esta norma que, epigrafada de "outros direitos pessoais", reconhece tal direito a "todos", como que induzindo que se reporta (apenas) a "todos" os "cidadãos" e não também às "pessoas colectivas", tanto mais que o preceito abarca direitos que são claramente inerentes à pessoa humana, como sejam a "cidadania" e a "reserva da intimidade da vida privada".

Comentando o artigo 12º da Constituição escrevem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira:

"(...) As pessoas colectivas não podem ser titulares de todos os direitos e deveres fundamentais, mas sim apenas daqueles que sejam compatíveis com a sua natureza (...). Saber quais são eles, eis um problema que só se pode resolver casuísticamente. Assim, não serão aplicáveis, por exemplo, o direito à vida e à integridade pessoal, o direito de constituir família; já serão aplicáveis o direito de associação, a inviolabilidade de domicílio, o segredo de correspondência.

Noutros casos é duvidosa a aplicabilidade de direitos fundamentais: Livre expressão do pensamento, liberdade de investimento e ensino, etc. É claro que o ser ou não ser compatível com a natureza das pessoas colectivas depende naturalmente da própria natureza de cada um dos direitos fundamentais, sendo incompatíveis aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas, com os indivíduos (...)".

E prossegue o parecer, mais adiante: (...) afigura-se que o direito ao bom nome e reputação não postula uma referência humana, sendo perfeitamente concebível para além das pessoas físicas.

O bom nome e reputação de uma pessoa colectiva é manifestamente indispensável ao regular e eficiente exercício da sua actividade. De facto a falta de bom nome, a má reputação das pessoas colectivas necessariamente que comprometem as relações entre essas entidades e as demais, nomeadamente os seus parceiros e o público em geral, exactamente nos mesmos termos que a falta de bom nome e má reputação das pessoas singulares.

Face ao exposto, questiona-se se a publicação das referidas listas constitui uma ameaça contra o bom nome e reputação das pessoas colectivas e singulares. Para o efeito considera-se necessário indagar sobre a forma, o fim, e as consequências dessa divulgação.

O fim dessa publicação seria, essencialmente (senão unicamente), expor tais entidades ao juizo da opinião pública, à censura pública, como forma de as coagir ao pagamento das suas dívidas, quando há meios normais para o fazer, como seja o recurso aos tribunais.

Haveria assim, em tal medida, uma manifesta desproporção entre os fins desejados (pela Administração) e os prejuízos causados a tais entidades. Em causa, pois, os princípios da necessidade e da proporcionalidade, ínsitos no Diploma Fundamental que tal publicação não respeitara (...).

Com este fundamento conclui-se no sentido de que a publicação pela Administração Pública das aludidas listas violaria, simultaneamente, os artigos 26º, nº 1, da Constituição, e 43º, nº 1, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto.

O já citado parecer 92/91 aflora o tema da intimidade da vida privada e sua consagração ao nível do direito internacional público, constitucional e civil.

No âmbito do direito internacional público e referindo-se ao objecto da consulta - averiguar se podem ser autorizadas escutas telefónicas antes da abertura do inquérito e com base na mera suspeita da prática de um crime - afirma-se no parecer:

(...) Esta questão está intimamente relacionada com o direito de personalidade dos cidadãos à intimidade da vida privada, cujo relevo não tem parado de crescer desde fins do século XIX (36).

O grande impulso com vista à consagração nos vários Estados do aludido direito ocorreu, porém, após o termo da segunda guerra mundial - durante a qual os direitos do homem foram tão subalternizados - através de vários textos internacionais adoptados pela comunidade das nações.

Na declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948 e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - PIDCP - consignou-se, com efeito, que "ninguém sofrerá intromissões arbitárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, sem ataques à sua honra e reputação", e que "contra tais intromissões ou ataques a pessoa tem direito à protecção da lei" (artigos 12º e 17º, respectivamente) (37).

A Convenção Europeia dos direitos do Homem -CEDH- proclama, por seu turno, que "qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência", e que "não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção de infracções criminais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros" (artigo 8º, nº 1 e 2, respectivamente) (38).

O direito à reserva das conversações telefónicas é protegido pelo referido artigo 8º da CEDH (39).

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido o termo "Lei" em que deve estar prevista a ingerência na correspondência individual a que se reporta o nº 2 do artigo 8º da Convenção no sentido material, nele incluindo os actos normativos infra-legislativos e o próprio direito não escrito.

No que concerne à previsibilidade da lei quanto ao sentido e à natureza das medidas em que a ingerência se desenvolve, sob a ponderação de que as escutas e outras formas de intercepção das conversas telefónicas representam um grave atentado ao respeito de vida privada e da correspondência, tem vindo aquele tribunal a decidir que tais medidas devem constar de uma lei particularmente precisa, isto é, com regras claras de actuação (...) (40).

Por sua vez, ao nível do direito civil:

(...) O direito à privacidade foi expressamente consagrado em Portugal, pela primeira vez, no Código de 1966, em termos de que "todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem", e "a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas" (artigo 80º).

A lei não define o conceito de "intimidade da vida privada", e ressalta da última parte da referida disposição a variabilidade do âmbito da reserva em função da natureza do caso e da condição das pessoas.

A referência à condição das pessoas aponta no sentido de que o âmbito da vida particular depende do modo de ser do indivíduo e varia em função do seu estatuto de inserção social.

Tratando-se de uma pessoa célebre, por qualquer motivo, isto é de uma figura pública, o seu núcleo de reserva de vida privada reduz-se face ao interesse da colectividade em conhecer certas particularidades susceptíveis de pesar em determinadas escolhas, como, por exemplo, face às eleições para cargos públicos.

A alusão à natureza do caso tem em vista, já não a posição social do sujeito, mas a especificidade da situação concreta , como é o caso de o facto de a sua vida privada haver ocorrido em lugar público de modo a ser apreendido em razão da sua localização espacial (41).

Poder-se-ão distinguir nesta matéria três dominíos ou esferas, ou seja, a da vida íntima, abrangente dos gestos e factos relativos ao estado do sujeito enquanto separado do grupo e a certas relações sociais que devem em absoluto ser subtraídos ao conhecimento de outrem;a da vida privada, englobante dos acontecimentos partilhados com um número restrito de pessoas; e a da vida pública que se estende aos eventos respeitantes à participação de cada um na vida da colectividade e por isso susceptíveis de ser conhecidos por todos (...) (42).

(...) Em suma, existe, na vida das pessoas um reduto abrangente de sentimentos, paixões, hábitos, desejos, afectos, modos de ser e de estar na vida que deve ser preservado da devassa de outrem (43).

Este corpo consultivo já ponderou, numa ocasião, que o direito à intimidade da vida privada implica a faculdade de vedar a difusão de notícias relativas à vida privada (44).

E posteriormente afirmou que o direito à intimidade não é absoluto, podendo ceder em certas hipóteses, face a direitos socialmente mais valiosos, como por exemplo o direito dos cidadãos à informação, nomeadamente sobre casos de grande repercussão pública (45).

Acresenta, ainda, o parecer:

Marco importante da protecção da intimidade da vida privada em Portugal foi, por outro lado, a Lei nº 3/73, de 5 de Abril, através da qual foram incriminadas várias acções injustificadas e intencionalmente dirigidas à devassa da intimidade pessoal, tais como a intercepção, escuta, registo, utilização, transmissão ou divulgação de conversas ou comunicações particulares, a captação, o registo, ou a divulgação da imagem de pessoas ou de bens, a observação às ocultas de pessoas que se encontrassem em lugar privado (46).

Finalmente, no plano constitucional sustenta-se:

A Constituição da República Portuguesa de 1976 -CRP- , de harmonia com o direito internacional público a que se fez referência, consagrou, nesta área, linhas de acção político-legislativa do maior relevo.

A República Portuguesa é, nos termos da Lei Fundamental, um Estado de direito baseado, além do mais, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos (artigo 2º).

Estado de direito significa, fundamentalmente, um modo de delimitação do poder estadual quer através da divisão de poderes quer através do primado do direito (47).

Nessa linha, marcando o passo ao legislador ordinário na área dos direitos fundamentais dos cidadãos, proclama a CRP que a integridade moral das pessoas é inviolável, que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à reserva da intimidade da vida privada, impondo-lhe o estabelecimento de garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana, da informação relativa às pessoas e às familias (artigos 25º, nº 1 e 26º, nºs 1 e 2 ) (...) (48).

O parecer nº 16/94 circunscreve a sua análise às questões de saber se as duas empresas - TELECEL E TMN - detentoras da exploração dos serviços de comunicação devem ou não satisfazer os pedidos de informação formulados pelo Ministério Público, pela Polícia Judiciária e por outras entidades que procedam à investigação criminal sobre elementos identificativos de assinantes do serviço móvel terrestre de telecomunicações, números de telefones, destinatários de chamadas ou facturação, e se as referidas informações dependem ou não de autorização judicial.

As questões referenciadas encontram-se intimamente relacionadas com o direito à intimidade da vida privada. Assim, e seguindo de perto as considerações proferidas no parecer nº 92/91, considera o mencionado parecer:

(...) Os direitos de personalidade incidem sobre a vida, a integridade física e saúde, liberdade física e psicológica, honra, nome, imagem, e a reserva sobre a intimidade da vida privada das pessoas.

Trata-se de direitos insusceptíveis de alienação ou de renúncia, sem prejuízo do relevo limitado do consentimento do lesado.

O direito à privacidade - anota ainda o parecer - estende-se para além do espaço relativo à casa de morada de família, fora do qual as pessoas ainda são envolvidas de uma esfera privada, não obstante o esbatimento que deriva do exercício da actividade profissional (49).

A finalizar e reportando-se ao conteúdo do artigo 26º da Constituição, afirma-se:

(...) Nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 26º, a todos é reconhecido o direito à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, e "a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias".

O direito à palavra abrange o direito à voz, atributo da personalidade, donde resulta a ilicitude do seu registo e divulgação sem autorização, a "palavra dita, em termos de garantia da sua autenticidade e rigor da reprodução dos seus termos (50).

O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar abrange as faculdades de impedir o acesso de estranhos às informações sobre ela, bem como a sua divulgação por outrem.

O parecer nº 20/94, a seguir publicado na íntegra, ocupa-se da análise do sentido e alcance do artigo 17º, alínea d), do Código de Processo Tributário combinando-o com o disposto nos artigos 26º e 35º da Constituição. No pedido de consulta foi concretamente solicitado ao Conselho Consultivo que tivesse em consideração a questão da (ina)acessibilidade à informação por parte de particulares (pessoas singulares ou colectivas), de advogados e solicitadores, de deputados, de orgãos da Administração Pública, do Ministério Público, dos Tribunais e do Provedor de Justiça, bem como a vertente passiva dos elementos solicitados respeitarem a pessoas singulares ou colectivas e comerciantes (...).

No contexto da indagação, apreciou-se o conceito de intimidade da vida privada e o regime jurídico do artigo 26º, na sua conjugação com o regime da protecção dos dados pessoais, previsto no artigo 35º, e com o princípio da administração aberta, consagrado no artigo 268º, todos da Constituição.

O parecer teve, também, presente a questão da confidencialidade fiscal (artigo 17º alínea d) do Código Tributário) na sua articulação com os dados ditos pessoais e com o princípio da administração aberta (artigos 26º, 35º e 268º da lei fundamental).

Por sua vez, o parecer nº 56/94 (51), aprecia a possibilidade de invocação do sigilo profissional por parte dos depoentes que prestam declarações perante as Comissões Parlamentares de Inquérito. Embora centrado no tema segredo profissional, nele se fazem breves alusões ao direito à intimidade da vida privada.

Assim, a primeira referência ao aludido direito surge como limite aos poderes das comissões parlamentares de inquérito, defendendo-se que mesmo em investigação criminal, este direito não pode ser afectado senão por decisão de um juiz (52).

A segunda, verifica-se aquando da análise ao regime jurídico dos inquéritos parlamentares, onde o direito à reserva da intimidade da vida privada é invocado como bem juridico devidamente acautelado em matéria de publicidade dos trabalhos da comissão (artigo 15º, nº 4, da Lei nº 5/93, de 1 de Março (53).

O parecer nº 15/95 avalia a licitude da abertura de pacotes e encomendas postais para efeitos de fiscalização aduaneira.

Ao abordar, a título principal, a inviolabilidade da correspondência constante do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, o parecer refere a relação de instrumentalidade do preceito constitucional face à norma constante do artigo 26º do mesmo diploma, na parte em que esta consagra o direito à reserva da intimidade da vida privada.

Assim, e acompanhando de perto as considerações tecidas por Gomes Canotilho e Vital Moreira (54) escreve-se no parecer:

"‘ (…) O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1, in fine, e nº 2) analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Código Civil, artigo 80º). Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias deste; é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (artigo 34º) [...] …

A inviolabilidade do domicílio e da correspondência está relacionada com o direito à intimidade pessoal (esfera privada especial), previsto no artigo 26º, considerando-se o domicílio como projecção espacial da pessoa e a correspondência como extensão da própria pessoa […]’ .

Por outro lado dispõe a Lei Fundamental no seu artigo 32º, nºs 4 e 6:

"4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que não se prendam directamente com os direitos fundamentais.

(…)

6. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações".

Anotando estas disposições escrevem os mesmos autores (55):

‘Garantia fundamental de defesa é o princípio da judicialização da instrução, sendo esta da competência de um juiz – o juiz de instrução […]’.

‘Na actual redacção do preceito, decorrente da primeira revisão constitucional, é permitida a delegação pelo juiz da prática de certos actos de instrução noutras entidades (nº 4, 2ª parte). Duas questões se levantam (…) .

No que concerne à segunda, sustenta-se:

"‘ (…) Ao aludir a "direitos fundamentais", o texto constitucional sugere que a obrigatoriedade da instrução pelo juiz se estende a outros direitos não enquadrados no catálogo dos "direitos, liberdades e garantias". Devem ter-se por abrangidos todos os actos que, fora do processo penal, sempre se haveriam de ter por ofensas a direitos fundamentais (aplicação de medidas de coacção, reconhecimento e interrogatório do arguido, buscas domiciliárias, intercepção ou gravação de conversas telefónicas, exame de correspondência, acesso a ficheiros informáticos de dados pessoais, exames que contendam com a privacidade, etc.)

(…)

"‘ Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade da pessoa humana (artigo 1º) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (artigo 2º), não podendo portanto valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência (nº 6) (…). A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (artigo 34º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr. artigo 18-2 e 3)’ ".

Por fim, considera-se no parecer que (…) A inviolabilidade da correspondência prevista naquele artigo 34º está assim relacionada com o direito à reserva de intimidade da vida privada, previsto no nº 1 do artigo 26º do mesmo preceito. Aliás, o mesmo ocorre quanto a outros direitos fundamentais que são garantia deste – da reserva da intimidade da vida privada -, como se vê do elenco constante da anotação transcrita (…): em todos estes casos[ nomeadamente artigos 25º (Direito à integridade pessoal), e 32º (Garantias de processo criminal)] se pretende proteger o conhecimento e divulgação, por estranhos, de dados, informações referentes à vida privada (…).

O parecer nº 26/95, debruçando-se sobre a admissibilidade da passagem de atestado de robustez, a indivíduos portadores do vírus de imunodeficiência humana (HIV) para apresentação num concurso de acesso à função pública, levanta e desenvolve as seguintes questões fundamentais:

a) saber se o atestado médico de robustez, legalmente exigido, para o exercício de funções públicas deve ou não conter expressa menção de que o candidato não sofre de doença infecto-contagiosa;

b) pode ou não ser emitido atestados de robustez para o exercício de funções públicas relativamente a indivíduos portadores do HIV.

Da análise feita ressaltam várias referências, sobretudo ao nível do debate ético-legal em torno do HIV e da Sida, ao direito à intimidade da vida privada, mais precisamente no que concerne ao direito das pessoas manterem secreto o seu estado de saúde:

(...) Um autor mexicano refere a este propósito dever ser reconhecido a todos os cidadãos o direito de se protegerem contra a SIDA, e salvaguardar os pacientes infectados da proibição de injustas restrições pelo facto da sua enfermidade, devendo a lei encontrar o ponto médio da ética e dos direitos humanos, em termos de estes não serem anulados por aquela.

Acrecentou que a legislação mexicana assenta nos princípios ético-jurídicos da confidencialidade no que concerne aos doentes (...).

Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde, na 41ª Assembleia Mundial da Saúde, adoptou, em 13 de Maio de 1988, a Resolução intitulada "Non-discrimination à l’égard des personnes infectées par le VIH et les sidéens",(...) [ onde] tem sido insistentemente afirmado que a protecção da saúde pública não justifica a limitação dos direitos do homem em razão de cidadãos serem portadores do VIH ou da SIDA, e que a despistagem e os testes obrigatórios bem como os registos de seropositivos constituem um atentado à vida privada, na medida em que não raro, comportam restrições ao direito ao trabalho, à liberdade de deslocação e de residência e à obtenção de cuidados de saúde (...).

E o Tribunal de Primeira Instância, em 18 de Setembro de 1992, decidiu que uma colheita de sangue efectuada no âmbito do exame médico previsto no artigo 33º do Estatuto, para efeitos de procurar a presença eventual de anticorpos VIH constitui um atentado à integridade física do candidato (...) e só pode ser efectuado com o seu consentimento informado (56).

O Tribunal de Justiça, em recurso daquela decisão do Tribunal de Primeira Instância entendeu (...) que o respeito pela vida privada implica que, quando o candidato haja recusado submeter-se a um teste de despistagem da SIDA, a Instituição não realize qualquer outro teste susceptível de levar a suspeitar ou a constatar a existência da doença (...) (57).

Finalmente o parecer considera o disposto no artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 4 de Novembro de 1950 (58) e a posição do Tribunal de Justiça da União Europeia face à temática. Assim:

Nos termos do artigo 8º, qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, sem que no seu exercício possa haver ingerência da autoridade pública, salvo, além do mais, para a protecção da saúde ou dos direitos e liberdades de terceiros (...).

O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido, por um lado, que o respeito pela vida privada consagrado no artigo 8º da CEDH e que resulta das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, é um dos direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica comunitária, que comporta o direito das pessoas manterem secreto o estado de saúde, e por outro lado, que podem ser impostas restrições aos direitos fundamentais por ela protegidos desde que correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral e não constituam, relativamente ao fim prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável que atente contra a própria essência do direito protegido (acórdão de 5 de Outubro de 1994, "Colectânea de Jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância", 1994-10, páginas I-4781 a 4793).

Por último, o parecer nº 68/96 trata da compatibilidade do ante-projecto de decreto-lei sobre investigação de acidentes e incidentes na aviação civil com os princípios constitucionais.

Assim, ponderando o conteúdo do artigo 14º do referido ante-projecto, o parecer questiona se a sujeição a exame de pessoas se traduz numa ingerência na intimidade da sua vida privada.

De acordo com o artigo 14º (...) o «investigador responsável» poderá requisitar às autoridades competentes relatórios de autópsias e resultados de colheitas de amostras nos corpos das vítimas (nº 10), e terá acesso imediato aos resultados efectuados nas pessoas envolvidas na exploração da aeronave (nº 11), como poderá efectuar «exames e estudos necessários relativamente às pessoas e vestígios materiais de qualquer espécie, relacionados com o acidente« (nº 16).

Neste contexto, reflecte o parecer que (...) a limitação ao gozo do direito à sua integridade pessoal e a ingerência na vida privada (59), estarão, proventura, justificadas na defesa de outros interesses como a aplicação de uma boa justiça ou a prevenção dos acidentes de aviação.

Não está em causa a possibilidade de restringir aqueles direitos fundamentais em nome de outros interesses relevantes da vida em sociedade: a ordem pública, a ética ou a moral social, a autoridade do estado, a segurança nacional, etc; recorde-se, no entanto, que em cada direito fundamental existe um núcleo essencial de protecção máxima e, depois, afastando-se do centro, espaços de protecção progressivamente menos intensa (60).

Tão pouco interessa saber, para o caso em análise, se se trata de uma verdadeira restrição, que atinge ou afecta o conteúdo do direito fundamental, ou de uma simples regulamentação, que se limita a condicionar o exercício dos direitos para assegurar praticamente a concordância entre os valores próprios dos direitos ou entre esses e outros valores igualmente constitucionais, a traçar fronteiras entre direitos.

Segundo o artigo 168º, nº 1, alínea b) da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia da República, legislar, salvo autorização do Governo, sobre «direitos, liberdades e garantias».

E, para o Tribunal Constitucional, aquela alínea não distingue as restrições dos condicionalismos ou regulamentações:«... mesmo na parte em que o parágrafo em causa não contenha uma verdadeira restrição ao direito de livre expressão do pensamento (...), mesmo aí se verifica a inconstitucionalidade, pois a própria regulamentação de direitos, liberdades e garantias deve ser feita por lei» (61).

Gomes Canotilho e Vital Moreira, escrevem que «a reserva de competência legislativa da Assembleia da República nesta matéria vale não apenas para as restrições (artigo 18º) mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias (62).

Nesta linha, conclui-se no sentido de que o [ mencionado] Ante-projecto seja materializado através ou de uma lei formal da Assembleia da República ou de um Decreto-lei autorizado, nos termos do artigo 201º, nº 1, alínea b) da Constituição da República.

4. A temática "protecção da vida privada" foi objecto de referências pontuais em diversos pareceres, de entre os quais se destacam:

- O parecer 162/79 que, acolhendo as críticas formuladas no parecer nº 204/78 ao projecto de diploma formulado com o intuito de suplantar as dificuldades encontradas pela Polícia Judiciária nas relações com as instituições de crédito, suscitadas pela aplicação do Decreto-Lei nº 2/78, de 9 de Janeiro, aprecia uma proposta de lei sobre "o dever de segredo bancário".

A este nível considera o parecer que o artigo 3º (63) da referida proposta sujeita a prestação de colaboração, em processo penal, por parte das instituições de crédito, à intervenção do juiz, solução que, segundo o mesmo parecer, traduz um afloramento do direito à protecção da intimidade da vida privada.

- O parecer nº 23/84, apreciando o problema do direito de acesso pelos membros da Comissão do Livro Negro Sobre o Regime Fascista aos "Arquivo Salazar" e "Arquivo Marcello Caetano" refere, nesse âmbito, que o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar constitui manifestação do direito à integridade pessoal e que ambos, integrando matéria de direitos, liberdades e garantias, são da competência exclusiva da Assembleia da República (alínea b) do artigo 168º da Lei Fundamental).

- O parecer nº 66/85 apura em que condições a Guarda Fiscal pode efectuar buscas e apreensões em residências e outros locais fechados, no âmbito da investigação de crimes aduaneiros e da instrução dos correspondentes processos. Neste contexto, é feita referência à intimidade da vida privada a propósito dos meios admissíveis de prova no processo por contra-ordenações fiscais aduaneiras, afirmando-se: (...) é admissível a realização de buscas, vistorias e apreensões não domicilárias, determinadas pela autoridade administrativa competente; mas as provas que colidam com a reserva da vida privada, buscas, vistorias e apreensões domicilárias, só são admissíveis mediante o consentimento de quem de direito (nº 2 do artigo 42º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).

- O parecer nº 49/91 (64) tem por objecto a resolução das dúvidas acerca do acesso pelos orgãos de polícia criminal aos arquivos clínicos e outra documentação afim existente nos serviços tutelados pelo Ministério da Saúde.

Neste âmbito, o parecer analisa desenvolvidamente o segredo médico e respectivo regime no direito comparado e no direito interno, fazendo referência à intimidade da vida privada como um dos bens jurídicos por ele protegido.

- O parecer nº 51/92 visa apurar se o Alto Comissário Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa em Macau pode ter acesso às contas bancárias no âmbito dos seus poderes de investigação criminal.

Nesta sequência e invocando o disposto na alínea a) do nº 1, do artigo 2º (65) do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro (66), defende-se que esta regulamentação é importante para assegurar os direitos à integridade pessoal, e à inviolabilidade do domicílio (artigos 26º e 34º da Constituição da República) (67).

- O parecer nº 38/95 (68) analisa a definição das circunstâncias em que uma estação televisiva deve fornecer gravações quando estas são solicitadas pelas autoridades (Ministério Público, Polícia Judiciária, Provedor de Justiça e Comissões de Inquérito da Assembleia da República). Neste âmbito, invoca-se o direito à intimidade da vida privada como forma de legitimar a recusa do dever de colaboração para a descoberta da verdade - artigo 519º do Código de Processo Civil.

Ao contrário do que acontece em processo penal, a distinção relativamente ao regime que vigora em processo civil só transparece no preceituado no nº 3 do artigo 135º. Deste modo, afirma-se (...) a diferença face ao processo civil passa pelo facto de se admitir a quebra do sigilo profissional.

- O parecer nº 13/96, aprecia a desobediência a uma ordem de identificação proferida por um um militar da Guarda Nacional Republicana, denunciado num inquérito-crime. Neste âmbito, defende-se que do "cruzamento do direito à identidade pessoal, que inclui fundamentalmente o direito ao nome e o direito à historicidade pessoal, com o direito à intimidade da vida privada, poder-se-á extrair uma protecção constitucional do anonimato (...). Em obdiência ao princípio da tipicidade legal das medidas de polícia, consagrado no nº 2 do artigo 272º da Constituição da República, e tendo em conta que a reserva de identidade é expressão do direito à intimidade da vida privada, consagrado no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República, há-de derivar da lei o condicionalismo concreto de que depende a legitimidade da exigência da identificação (...)."


NOTAS:

1) O presente volume intitula-se "Vida privada - Utilização da informática". Numa primeira fase abordar-se-á, a temática da protecção da vida privada em geral, relegando-se a sua análise na perspectiva da utilização da informática para um segundo momento.

2) R. Henrion, Le secret bancaire en Belgique, pág. 62.

3) "R. Farhat, Le secret bancaire. Étude de Droit comparé (France, Suisse, Liban), Paris, 1970, págs 57 e segs., 257 e segs., M. Vasseur, no prefácio da mesma obra".

4) "A. Di Amato, II segreto bancario, Camerino, 1979, págs 279 e segs. . De algum modo neste sentido já P. Gulphe, "Le secret professionnel du banquier en droit français et en droit comparé", na Rev. Trim. Dr. Comm. 1948, pág 54. Entre nós, cfr. Alberto Luís, "O segredo bancário em Portugal", Rev. Ord. Adv., ano 41º (1981) , págs. 467 e segs.".

5) "Ob. cit., pág. 289".

6) Publicado na íntegra no âmbito do VI volume - Os segredos e a sua tutela..

7)" ‘Conferência dos Conselhos de Imprensa da Europa’, Edição do Conselho de Imprensa, Lisboa, 1988, págs. 163 a 165."

8) "Sobre este tema podem ver-se: Manuel Januário Gomes, "O problema da salvaguarda da privacidade antes e depois do computador"; Garcia Marques, "Informática e Liberdades"; discussão parlamentar no Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 2ª sessão legislativa (1981-1982), II Série, 2º Sup. ao nº 80, de 21-4-82, págs. 1508-(29) e (30); pareceres deste corpo consultivo nº 121/80 publicados no Boletim nº 309, pág. 212, e no Diário da República, II Série, nº 46, de 25/2/82 e nºs 151/82 e 129/83, não publicados.

9) Este normativo preceitua:

"Tratando-se de assento de nascimento de filhos fora do casamento ou adoptivos, as certidões de cópia integral ou fotocópia só podem ser passadas a pedido das pessoas a quem o registo respeita, seus ascendentes, descendentes, herdeiros ou a requisição das autoridades judiciais e policiais ou da Direcção-Geral dos Registos e Notariados".

10) Publicado na íntegra no âmbito do VI volume - Os segredos e a sua tutela..

11) Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 14º, pág 309.

12) Definição constante do parecer nº 121/80, publicado na íntegra.

13) "Estudo de M. Januário Gomes, intitulado "O problema da salvaguarda da privacidade antes e depois do computador", publicado no Boletim, nº 319, pág. 21 e segts."

14) Publicado na íntegra no âmbito do VI volume- Os segredos e a sua tutela.

15) "Uma, defendida pelo Banco depositário, apoiada em anteriores paraceres deste corpo consultivo e na jurisprudência dominante dos tribunais superiores, que desagua na primazia (ou na prevalência) do dever de sigilo sobre o dever de cooperação com a justiça, recusando, desse modo, a prestação da informação requerida pelo tribunal de família que decretou o arrolamento dos depósitos e que consistia em saber o montante dos respectivos saldos de conta.

Outra, a do referido tribunal, que entende não poder aplicar-se a doutrina deste conselho ao caso do arrolamento que oportunamente decretou."

16) Publicado na íntegra no âmbito do VI volume- Os segredos e a sua tutela..

17) Este parecer acompanhou de perto as considerações formuladas nos pareceres nºs. 92/91 e 16/94.

18) Dispõem: Artigo 192º, nº 1: "Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida privada ou sexual:

a) Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa ou comunicação telefónica:"

(...)

"é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias".

Artigo 194º: "1. Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir por qualquer modo, que seja recebida pelo destinatário, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias".

2. Na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicações ou dele tomar conhecimento".

3. Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias".

19) Ainda no âmbito da protecção dos mesmos valores, há que salientar o crime, constituído como crime de perigo, do artigo 276º: "Quem importar, fabricar, guardar, comprar, vender ou adquirir a qualquer título, transportar, distribuir ou detiver instrumento ou aparelhagem especialmente destinadas à montagem de escutas telefónicas, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da entidade competente, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias".

20) "Cfr., parecer nº 49/91, que neste passo se acompanha de perto."

21) "Cfr. FERMIN MORALES PRATS, "La Tutela penal de la Intimidad; privacy e informática", Editiones, Destino, págs. 209 e segs., que traça também uma perspectiva histórica dos segredos profissionais".

22) "J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 1º., Coimbra, 1984, págs. 223 e 224."

23) "No Projecto da Revisão do Código Penal prevê-se, em dois tipos criminais distintos, que a intercepção, gravação, registo, utilização, transmissão ou divulgação de conversas ou comunicações telefónicas, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, e a intromissão não consentida na comunicação telefónica, ou dela tomar conhecimento são punidas com as penas de prisão até 1 ano e multa até 240 dias, respectivamente (artigos 192º, nº 1, alínea a), e 194º, nº 2)."

24) "Les Preuvres en Droit Pénal Portugais", Revista de Direito e Estudos Sociais, 1967, págs. 1 e segs."

25) "GASTON STEFANI, GEORGES LEVASSEUR, BERNARD BOULOC, "Procédure pénale, Paris, 1987, págs 34 a 49;e AURÉLIA MARIA ROMERO COLOMA, "Derecho a la Intimidad, a la Información y Proceso Penal", Madrid, 1987."

26) As conclusões do citado parecer encontram-se reproduzidas no âmbito do VI volume dedicado aos segredos e sua tutela.

27) "A Constituição e os direitos de Personalidade", in "Estudos sobre a Constituição", coordenação de JORGE MIRANDA, 2º volume, Livraria Petrony, Lisboa, 1978, págs. 93 e segs."

28) " ‘Os Direitos da Personalidade’, tradução portuguesa, Lisboa, 1961, pág. 142 e seguintes".

29) " ‘Absolutos - esclarecer o autor citado - no sentido de que são oponíveis erga ommes, gerando para todos os outros que não o seu titular a obrigação passiva, universal, de respeitarem tais direitos’, e não no sentido de que nunca cedam face a outros direitos de igual ou superior valor."

30) "A responsabilidade exercitar-se à nos termos dos artigis 483º e seguintes do Código Civil, e as "providência" através dos meios processuais previstos nos artigos 1474º e 1475º do código de Processo Civil, ou de outras providências cautelares não especificadas."

31) Existe, no entanto, um relativo "consenso entre os autores no sentido de que a "verdadeira pátri" do direito à privacidade foram os Estados Unidos da América do Norte, a partir do célebre artigo de SAMUEL WARREN E LOUIS BRANDEIS, "The right to privacy", publicado em 1980 na "HAVARD LAW REVIEW".

"Sobre esta questão e sua evolução posterior, cfr. Manuel Januário Gomes, "O Problema da Salvaguarda da Privacidade antes e depois do computador, no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 319" pág. 25 e Mário Raposo, "Sobre a Protecção da Intimidade da Vida Privada", separata da Revista da Ordem dos Advogados", Lisboa, 1973, pág. 7.

32) Dispõe este normativo:

"1.Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.

2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas."

33) "Manuel Januário Gomes, estudo e loc., pág 31"

34) "Cfr. Angelo de Mattia e outros, "Il Diritto alla- Riservatezza, Milão, 1963, págs. 20 e seguintes, que indica entre as retrições ao direito de resguardo as necessidades de justiça ou de polícia. "

35) O artigo 43º ( Garantia de sigilo) estatui:

"1- Qualquer pessoa ou entidade tem direito a que os dados de natureza estritamente privada, quer pessoais, quer referentes à situação económico-financeira, não sejam indevidamente divulgados pelas instituições de segurança social abrangidas pela presente lei.

2. Considera-se que não há divulgação indevida sempre que o interessado dê a sua concordância ou haja obrigação legal de comunicação".

36) "Atribui-se ao artigo intitulado "The right to privacy/The implicit made explicit", da autoria de SAMUEL WARREN e de LOUIS BRANDEIS, publicado na Revista "Harvard Law Review, nº 4, Cambridge, 1980, págs. 193 e segs., a origem do referido direito".

37) "O PIDCP foi aprovado para ratificação, em Portugal, pela Lei nº 29/78, de12 de Junho".

38) "A CEDH foi aprovada para ratificação, em Portugal, pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro".

39) "PINHEIRO FARINHA, "Convenção Europeia dos Direitos do Homem". Anotação, Lisboa, 1980, pág. 40.

40) "Arrêts du 24 Avril 1990, VICENT BERGER, "Jurisprudence de la Cour Européene des droits de l`homme et les écoutes téléphoniques", RUDH 1990, vol. 2, nº 5, Paris, págs. 185 a 191."

41) "RITA AMARAL CABRAL, "O Direito à Intimidade da Vida Privada (Breve Reflexão acerca do artigo 80º do Código de Direito Civil", Lisboa, 1988 págs. 25 a 28, e parecer deste Corpo Consultivo nº 129/83, de 3 de Junho de 1983."

42) "RITA AMARAL CABRAL, obra citada, págs. 30 e 31."

43) "Cfr. sobre esta problemática RODRIGUES BASTOS, "Das Relações jurídicas segundo o Código Civil de 1966", vol. I., Lisboa, 1967, pág. 42; MÁRIO DE BRITO, "Código Civil Anotado", Vol. I, Lisboa, 1968, pág. 96; MOTA PINTO, "Teoria Geral do Direito Civil", Coimbra 1976, pág. 225."

44) "Parecer nº 121/80, de 23 de Julho de 1981, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 309, págs. 121 e segs."

45) " Parecer nº 129/83, de 3 de Junho de 1983, no qual se concluiu não integrar em princípio violação do direito à intimidade da vida privada e familiar a publicação de relatórios de autópsias, em que de acordo com as normas regulamentares e técnicas aplicáveis se procede à descrição do vestuário das vitimas e do hábito externo e orgãos e tecidos internos do seu corpo."

46) "A lei nº 3/73 foi revogada pelo artigo 6º, nº 2, do Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal de 1982, cujo capítulo VI insere vários crimes contra a intimidade da vida privada (...)".

47) "KARL HEINZ GOSSEL, "A posição do Defensor no Processo Penal de um Estado de Direito", Coimbra, 1985, pág. 21."

48) "O artigo 26º da Constituição da República Portuguesa corresponde ao artigo 33º do primitivo texto, não constando, porém, no nº 1 os direitos à capacidade civil, à cidadania, à palavra e à imagem, nem o nº 3.

Por força da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, passou o conteúdo do artigo 33º a integrar o do artigo 26º, acrescentando ao nº 1 os direitos à capacidade civil, à cidadania e à imagem, e o nº 3.

A Lei constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, acrescentou ao nº 1 o direito à palavra."

49) DIOGO LEITE CAMPOS, "Lições de Direito de Personalidade", "Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra", vol. LXVII, 1991, págs. 209 a 213, onde se refere que o direito à privacidade da pessoa é anterior e superior a qualquer outro direito de carácter público, como por exemplo o direito à informação."

50) "J.J. CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "a Constituição da República Portuguesa Anotada", Coimbra, 1983, pág. 181, que neste passo seguiremos de perto".

51) Publicado na íntegra no âmbito do VI volume - Os segredos e sua tutela..

52) "Este Acórdão nº 195/94-Processo nº 478/93-, do Tribunal Constitucional foi anotado por Gomes Canotilho e Vital Moreira , na Rev. Leg. Jur., ano 127º, nº 3845, págs. 257-259 (...)".

53) Dispõe o nº 4, do artigo 15º da referida Lei:

"(…) 4- As actas das Comissões, assim como todos os documentos na sua posse, podem ser consultados após a aprovação do relatório final, nas seguintes condições:

a) Não revelem matéria sujeita ao segredo de Estado, a segredo de justiça ou sujeita a sigilo por razões da reserva da intimidade das pessoas;

b) (…)".

54) Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª ed., 1993, págs. 177 e segs.".

55) "Ob. cit., pág. 205".

56) "Decisão publicada na "Colectânea de Jurisprudência do Tribunal de Justiça e do tribunal de Primeira Instância", 1992-9, pág. II 2197".

57) "Publicada no "Diário da República", I Série, de 9 de Março de 1978".

58) "Publicada no "Diário da República", I Série, de 9 de Março de 1978".

59) "Cfr. o Parecer nº 87/83, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Janeiro de 1984, e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 332, pág. 267 e segs., que analisou a sujeição a exame de uma pessoa no âmbito de um processo disciplinar.

Os orgãos de controlo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Comissão e Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) têm entendido que a obrigação de se sujeitar a um exame médico constitui uma ingerência na vida privada da pessoa, ingerência que, para não constituir violação do artigo 8º, deve ser justificada nos termos do nº 2 deste artigo - ver, por todas, a Decisão de 6 de Abril de 1994, Queixa nº 21132/94, Décisions et Rapports, nº 77-A, págs. 75 e segs".

60) "Parecer nº 1/89, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Junho de 1989, para onde se remete para maiores desenvolvimentos".

61) "Recolhido em João Nabais, loc. cit., onde refere, no mesmo sentido, Jorge Miranda, "O Regime dos Direitos, Liberdades e Garantias", in "Estudos sobre a Constituição, vol III, Lisboa, 1979, pág 93, Gomes Canotilho, "Direito Constitucional", pág. 303, e Sérvulo Correia, "Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos", Coimbra, 1987, pág. 306".

62) "Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º edição, Coimbra, 1993, pág. 672".

63) Determina este normativo:

"1. O disposto no presente diploma não prejudica o dever de colaboração em processo penal, não sendo aplicável ao segredo bancário o estabelecido no nº 3 do artigo 217º do Código de Processo Penal.

2. A colaboração deve ser prestada ao Juíz, ou, por sua ordem, a qualquer oficial de justiça ou agente de autoridade".

64) Publicado na íntegra no âmbito do VI volume - Os segredos e sua tutela..

65) Textualiza o referido normativo: "as buscas, autópsias, vistorias, apreensões domiciliárias e exames que possam ofender o pudor das pessoas examinadas, bem como as diligências referidas no artigo 210º do Código de Processo Penal", devem ser autorizadas pelo juiz de instrução.

66) Este diploma sofreu " (...) alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 377/77, de 6 de Setembro. As alterações verificadas com a Lei nº 25/81, de 21 de Agosto (ainda não publicada em Macau), assim como as do Decreto-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro (não publicada em Macau), estas últimas essencialmente ditadas pela entrada em vigor do novo Código Penal, não interessam à economia do parecer".

67) "Assim, CASTRO SOUSA, "A Tramitação do Processo Penal", Coimbra, 1983, págs. 167 e 170."

68) Publicado na íntegra no âmbito do VI volume - Os segredos e sua tutela..

posted by Mikasmokas @ 7/25/2005  
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